10.22.2013


Miguel Passos de Vasconcelos Coelho

Com o Orçamento Geral do Estado para 2014, que se limita a insistir nas receitas que, supostamente, seriam a solução para a crise, as únicas coisas que teremos como garantidas serão o alastramento do desemprego e a continuação do empobrecimento das famílias, na sua maioria atiradas para uma situação de pura sobrevivência. Daí advirá a diminuição da procura interna – uma ainda maior redução do consumo – levando a cada vez mais falências das pequenas e médias empresas, a continuação da destruição do aparelho produtivo e o consequente aumento da nossa dependência do exterior. Assistiremos, como já vai acontecendo, à vulgarização da fome e da miséria – chamam a isso, cinicamente, os sacrifícios necessários para sairmos da crise – ao aumento da emigração, assente na fuga para o estrangeiro dos portugueses mais jovens e mais qualificados, porque irá continuar a bárbara e perversa abolição de direitos sociais, a par da redução obscena dos salários e reformas, do que decorrerá o aumento das desigualdades sociais: o alargamento do fosso – ou do abismo – entre ricos e pobres. Portugal estará, então, no chamado mundo ocidental, ao nível dos países terceiro-mundistas, a caminho do subdesenvolvimento absoluto, regredindo a tempos só comparáveis com os piores anos do salazarismo. Mas em vez de país colonizador, será um país colonizado. 
Aqui coloca-se uma questão: saber se tudo isto acontece porque Passos não passa de um imbecil incompetente, incapaz de tirar ilações do que é mais do que óbvio; ou se, pelo contrário, se limita a ser um competentíssimo executor de políticas destinadas a conduzirem o país, precisamente, ao que estão a conduzir. Isto é: Passos é um néscio que entrou em parafuso, ou um diligente tarefeiro ao serviço dos grandes interesses financeiros que controlam o mundo? A resposta parece-me simples: é as duas coisas.

Ele é um mentecapto, porque não percebeu – nem percebe – que só ascendeu à liderança do PSD porque nenhum dos barões do seu partido aceitou ser esturricado ao serviço da estratégia de retrocesso civilizacional em curso, visando, a nível planetário, substituir o Estado Social pelo Estado Assistencialista (o chamado Estado da Esmola), e o Trabalho com Direitos substituído pelo Trabalho Servo, a caminho de algo equivalente à escravatura. Não que o baronato do PSD não esteja de acordo com isso, mas porque é sempre preferível entregar o trabalho sujo a um bronco que, por mera vocação para a sabujice, aliada a impenitente vaidade, a isso se sujeite.

Por isso mesmo Passos é, para além de um néscio inculto e intelectualmente limitadíssimo, o tarefeiro servil, o moço-de-fretes ideal para qualquer serviço, já que na sua estreita mente de ser parasitário, forjada ao longo de uma existência fútil e nada exemplar – e que, precisamente por isso se desenvolveu à margem da vida real e dos seus problemas concretos – se encasularam os ideais desumanos do neoliberalismo, que se limita a servir mais por instinto – melhor: mais porque julga ser do seu interesse pessoal fazê-lo – do que por convicção.
Passos é uma triste e miserável réplica de outro português que sacrificou o seu povo e o seu país em nome dos interesses estrangeiros. Ele é o Miguel de Vasconcelos (1) do nosso tempo. E, tal como o lacaio traidor que fazia de primeiro-ministro da duquesa de Mântua, também ele desempenha, em nome de interesses estrangeiros, o mesmo papel que o seu antecessor executava ao serviço da dominação filipina.

Passos sabe muito bem que a austeridade com que fustiga os portugueses só tem um objectivo: sujeitar à vontade – aos interesses – da oligarquia financeira que pretende dominar definitivamente o mundo, um exército de homens e mulheres dispostos a tudo por uma côdea de pão. E o pior é que isso não colide com a sua visão da sociedade, de democracia, ou, sequer, de Liberdade.

(1)  – Miguel de Vasconcelos e Brito. Político português, desempenhou no Reino de Portugal os cargos de escrivão da Fazenda e de secretário de Estado (primeiro-ministro) da duquesa de Mântua, vice-Rainha de Portugal, em nome do Rei Filipe IV de Espanha (Filipe III de Portugal) e valido do conde duque de Olivares.

Era odiado pelo povo por, sendo português, colaborar com a representante da dominação filipina. Tinha alcançado da corte castelhana de Madrid plenos poderes para aplicar em Portugal pesados impostos, os quais deram origem à revolta das Alterações de Évora (Manuelinho) e a motins em outras terras do Alentejo. Foi a primeira vítima do golpe de estado do 1.º de Dezembro de 1640. Depois de morto, foi arremessado da janela do Paço Real de Lisboa para o Paço da Ribeira, pelos conjurados. No chão, foi esquartejado pelo povo e os seus restos deixados aos cães.