11.16.2006

Assim vai a «democracia» ...

Para abrir as nossas «hostilidades», fica bem dar os parabéns ao senhor Sócrates. Ganhou o congresso dos boys e das girls, e só teve um voto contra. E os parabéns são devidos porque, se fosse no PCP, tal unanimidade seria logo classificada de estalinista e antidemocrática. Assim, o voto de Roseta sabe a ramalhete democrático na prateleira de iniquidade, prepotência e absolutismo que é o PS, e o querido líder saiu de Santarém ainda mais impado do que quando lá chegou.

Não interessa que, hoje, existam milhões de portugueses a viver no pavor do que será o dia de amanhã. O desemprego ameaça centenas de milhares de pessoas, dos professores a outros trabalhadores da função pública, dos pescadores aos empregados dos serviços, passando pelos lanifícios, cablagem, metalurgia, construção civil, e por aí fora. As relações laborais transformaram-se num imenso contrato precário, e Portugal caminha para ser, em absoluto e a passos largos, um Portugal, SA.

O aumento selvático do custo de vida e a contenção salarial agravam a fome que já há, e atiram para uma situação de carência outros milhares de portugueses. Mas eles, os senhores do PS, tratam o país como se ele fosse uma coisa abstracta. O país é, porém, acima de tudo, dez milhões de pessoas que precisam de comer e educar aos seus filhos, de terem acesso a cuidados médicos, de viverem em casas dignas. Mas com o PS, isto já deixou de ser um país, e passou a ser uma roça. Trabalha-se para se deixar tudo o que se ganha nos cofres do Fisco, dos Belmiros e dos banqueiros. Mas o senhor engenheiro ganhou o congresso, não lhe cabe uma palhinha em lado nenhum, e pensa que pode continuar a ser um Zé do Telhado ao contrário.

Agora, análises, radiografias e todos os outros meios auxiliares de diagnóstico vão ser mais caros e mais difíceis para milhões de portugueses, por acaso – e só por acaso… – os que vivem pior e mais precisam. Dizer «é fartar, vilanagem» já não chega. E se isto não é atentar contra os direitos humanos, das duas, uma: ou o direito à saúde não é um direito humano, ou os portugueses, na óptica do governo, deixaram de ser seres humanos.

Parabéns, ainda, ao governo judaico. Há cerca de oito dias, as tropas sionistas assassinaram 18 palestinianos civis, entre eles várias mulheres e crianças. A carnificina – mais uma – foi de tal ordem, que até os norte-americanos e a União Europeia, tradicionais amigos, protectores e financiadores dos nazis que espalham a opressão e a morte, há mais de meio século, na Palestina e arredores, condenaram, em palavras, o massacre.

Os media deram a notícia… e ala, que se faz tarde. Ninguém falou em crimes contra a humanidade, em direitos humanos espezinhados, ninguém exigiu que os criminosos fossem levados a um qualquer tribunal internacional. Dias depois, a Assembleia-Geral da ONU condenou o massacre. Porém, no Conselho de Segurança, o veto norte-americano impediu que fosse aprovada uma resolução prática no mesmo sentido. Se já não soubéssemos, ficávamos a saber que criminosos de guerra e culpados de genocídio só o podem ser quem não for aliado ou lacaio dos norte-americanos.

E, contudo, um povo inteiro – o povo palestiniano – está a ser vítima, na sua própria terra, de um genocídio hediondo, só comparável ao que ficou conhecido por holocausto, no século passado. Os neonazis de Israel estão a exterminar, meticulosamente, o povo palestiniano, perante a condescendência cúmplice e hipócrita das democracias ocidentais. Pode não servir de nada, mas ao dizer isto estou a dizer, também, que não quero ser confundido com esta gente – com esta sociedade – que, por acção ou omissão, executa ou suporta uma das mais ignominiosas acções racistas e de extermínio de que há memória.

Falando em democracia, faz hoje, 16 de Novembro de 2006, um mês que o presidente Bush assinou um diploma a legalizar a tortura e o rapto e, efectivamente, revogou a Carta de Direitos (Bill of Rights) e o habeas corpus. Agora, a CIA e outros serviços mais ou menos secretos podem, legalmente, sequestrar pessoas e transportá-las para prisões onde elas sejam torturadas. Dentro ou fora dos EUA. A «prova» extraída sob tortura é agora admissível em «comissões militares»; isto é, qualquer pessoa pode ser sentenciada à morte com base no testemunho de pessoas espancadas ou torturadas de qualquer forma. Agora, é-se culpado antes mesmo de a culpa ser confirmada. E você é um «terrorista» se cometer o que George Orwell, em «1984», chamou «crimes de pensamento». Bush ressuscitou as prerrogativas dos monarcas Tudor e Stuart: o poder da ilegalidade irrestrita.

«A um nível ideológico mais profundo», escreveu o historiador americano Alfred McCoy, «o que está a acontecer é uma competição do poder contra a justiça. Encarado historicamente, é um combate sobre princípios fundamentais que remontam a aproximadamente 400 anos». Não há muito tempo, Dianna Ortiz, uma freira americana torturada, anos atrás, por um esquadrão da morte guatemalteco, declarou numa entrevista a Jonh Pilger, que o líder desse esquadrão era um compatriota americano. Isto aconteceu no tempo de Ronald Reagan, que foi tão assassino na América Central quanto Bush o é no Médio Oriente. «Você não pode chamar ao seu país uma democracia, se nele se pratica ou se tolera a tortura», afirmou ela.

De facto, sob Reagan, perversamente, foi restaurada a mitologia da democracia americana e do seu «orgulho», quando o seu governo corrupto ateou uma guerra ilegal na empobrecida América Central, provocando centenas de milhares de mortes, classificada nas Nações Unidas como genocídio. Os Estados Unidos tornaram-se o único país, desde sempre, a ter sido condenado pelo Tribunal Internacional de Justiça por terrorismo (contra a Nicarágua). Não serviu de nada. Os EUA são intocáveis.

«Segurança nacional» é a expressão que esconde a palavra certa – imperialismo – cujo poder despótico e sangrento se acelerou com George W. Bush. A verdade é que os EUA são hoje, dentro de si, uma extensão do totalitarismo que há muito procura impor no exterior. Mas apesar das suas actuais «dificuldades» no Iraque, a propaganda informativa continua afinada. Podem produzir-se notícias impossíveis de esconder, mas o saque deliberado e sistemático de milhares de milhões de dólares dos recursos do Iraque tem sido tranquilamente cumprido, com o petróleo a encher os cofres do Tesouro norte-americano, depauperados por políticas de saque dos recursos nacionais a favor dos potentados económicos e pela própria guerra. No entanto, ainda em Janeiro último, 25 mil pessoas candidatavam-se a 325 empregos oferecidos em Chicago.
Mas o papão da guerra à democracia, que se diz que o terrorismo desenvolve, tem sido usado com êxito, internamente, e exportado com igual sucesso. Esta é a mensagem dos industriais / instigadores liberais da guerra, que quanto mais o mundo arder, mais ganham. Entre outras coisas, eles escondem que a al-Qaeda é minúscula em comparação com o terrorismo de estado que mata e mutila em escala industrial, e cujo custo pagamos através, por exemplo, do aumento do preço do petróleo. São as nossas vidas – o nosso quotidiano, a nossa segurança e felicidade – que estão em causa.

Grita-se, agora, que Bush perdeu as eleições porque os norte-americanos acordaram para a verdade e se fartaram das mentiras e dos crimes do presidente. Grita-se que a democracia funcionou, e que, portanto, tudo está bem. Fala-se como se este desaire limpasse os crimes de guerra, devolvesse a vida a 650 mil iraquianos mortos e a mais de 3 mil soldados ianques já caídos no campo de batalha. Como se isso trouxesse de volta as pernas, os braços, os olhos ou a saúde mental a dezenas de milhares de soldados norte-americanos estropiados e incapacitados para o resto das suas vidas. Como se isso voltasse a repor o património histórico destruído ou rapinado pelo invasor no Museu de Bagdad e noutros locais.

O que não se diz é que os norte-americanos só votaram contra Bush e os republicanos porque esta guerra não está a ser a guerra que eles queriam – e aquela que Bush lhes prometeu: limpa, rápida e decisiva. Se os soldados norte-americanos não estivessem a cair como tordos; se o Iraque estivesse reduzido a um monte de escombros e dos iraquianos só restassem os colaboracionistas, os assalariados e os fantoches; se o urânio empobrecido só matasse de cancro homens e mulheres, crianças e velhos iraquianos, em vez de também apodrecer, com doenças «indeterminadas», milhares de soldados que combateram nas guerras do Golfo, então Bush e os republicanos teriam ganha as eleições e seriam louvados como heróis.

Não foi, portanto, por questões morais, legais, humanitárias ou outras igualmente válidas e justas, que o eleitorado norte-americano mudou tanto em apenas dois anos. Que se desiludam, pois, os optimistas. Os norte-americanos não votaram contra a guerra. Votaram – o que é diferente – contra a forma desfavorável como está a decorrer a guerra, coisa que, se fossem, como povo, minimamente lúcidos (isto é: se não fossem tão formados – e deformados – por uma propaganda que os convence de serem cidadãos de um país a que todos os outros devem obediência e tributo) teriam «adivinhado» já nessa altura. E Bush não teria sido reeleito.

Agora, porque a guerra lhes dói, como nunca pensaram que lhes pudesse doer – e o fantasma do Vietname já é um fantasma encarnado na resistência iraquiana – aprenderam o que aprende o matulão cobarde quando encontra quem lhe ponha o nariz a sangrar.

A propósito disto tudo, queridos amigos, leio-vos, a terminar, o que disse José Saramago numa entrevista recente ao CM:

«No momento em que nascemos é como se tivéssemos firmado um pacto de aceitação de tudo o que nos rodeia e que ainda não sabemos o que é. Depois, vamos crescendo, cada vez mais condicionados, até ao dia em que nos perguntamos: Quem é que assinou isto por mim? Costumo dizer que é nesse dia que pode começar a liberdade. E aí passamos à contestação e, se necessário, à radicalização. Nada me obriga, a não ser o respeito humano, a aceitar sistemas que da democracia só nos dão um papel na urna de quatro em quatro anos. Vivemos numa plutocracia: o governo dos ricos. Os governos são hoje, brutalmente, os comissários políticos do poder económico – e a democracia é uma mentira!».

E eu clarifico: a democracia é uma mentira em Portugal, nos EUA e em quase todo o mundo.

11.09.2006

A República das Castanhas


Portugal tem vários cheiros e cores. As cores são sombrias, pesadas, lembrando nuvens de tempestade. O cheiro também não é bom. Olhando à nossa volta, de olhos bem abertos e a pituitária afinada, o que vemos e cheiramos faz lembrar, a um só tempo, a Camorra napolitana (ou a Cosa Nostra siciliana, tanto faz), a solidão esquelética e os ventres inchados da África a sul do Sara e, para rematar o quadro, a prepotência acéfala e simiesca dos «coronéis» sul-americanos. Dos que ainda mandam (a mando dos gringos, entenda-se) em certas repúblicas das bananas da América Latina, como o México, de Fox, ou a Colômbia, de Uribe. Portugal é – ou esta quase a ser – esse tenebroso três em um.
É. Portugal está escuro, enegrecido, enevoado. E o ar pesa, fede, asfixia. Pode ser de ser tempo da castanha assada, altura em que o fumo das brasas, espalhado pelo vento, leva, de braço dado com o odor dos frutos, um cheiro a esgoto, a latrina e – bem pior – um hálito siciliano, que a água benta ministerial transforma em mofo sepulcral, um mofo dos tempos em que um homem de escuro, de botas calçado, de nariz afilado e dedo em riste desenhava, num gabinete sombrio, ali para os lados de S. Bento, um país à sua imagem.
Um (mau) hálito siciliano, cariado, mas não de cáries, propriamente ditas, (porque gente de muitas posses essa é, que de si bem cuida e, para tanto, tem sempre onde ir aforrar o que aos outros mingua) mas das cáries mais cavernais, que são as da alma. Se alma têm os desalmados que exalam tais odores.
República das castanhas, assim te baptizo eu hoje, ó Portugal dos Pequeninos, pois pequeninos são tanto os mandantes miseráveis, como os miseráveis seres que ao poder os erguem – e no poder os mantêm e sustentam.
Aqui chegados, falemos de 38 milhões de euros.
Trinta milhões de euros!? O que são 38 milhões de euros?
São mais de sete milhões e seiscentos mil contos!
E para que serve tanto dinheiro? Para aumentar as reformas mais baixas? Para construir creches ou centros de acolhimento para idosos ou cidadãos carentes? Para melhorar as instalações de centros de saúde? Para fazer obras em escolas que estejam por aí a cair de podres?
Não, aqui, nesta república das castanhas, os sete milhões e meios de contos são para o Governo fazer publicidade da sua política, o que pode muito bem acontecer em luxuosas revistas estrangeiras, como a Paris Match ou a Fortune. Quanto, destes mais de sete milhões e meio de contos, vai ser propaganda em vez de publicidade? Ou por outra: porquê foguetório, se as bocas estão secas e os estômagos lisos? Ah! Já sei! Dê-se-lhes pão e circo, não é? Diga-se que tudo vai bem, que eles acreditam.
E se me volto para outro lado, logo me doem os olhos e a alma, porque embato em notícias que me falam de outras desgraças. Então não é que o Estado não deve apenas aos fornecedores de secos e molhados ao nosso Exército? Pois não! Deve também à Galp. Digamos que se trata «apenas» de dois milhões de euros, coisa de nada, uns litritos de combustíveis que estão na lista dos calotes desde Janeiro deste ano.
Estão lisos os cofres do Estado. E eu que não compreendia a razão que leva o Governo a retirar mais medicamentos da lista dos comparticipados. É para a tropa não morrer à fome, meus senhores. É para o senhor general ter sempre o Mercedes às ordens, com o depósito bem atestado. É para os tanques não pararem e poderem mostrar, à NATO e ao Bush, que somos uns meninos bem mandados. Estão a ver como tudo tem sempre uma explicação?
Aparte isso, o país está bem. A economia recupera. O povo gosta destes seus «coronéis». A castanha estala na brasa, e o fumo esconde a desgraça. Mas qual desgraça? Se alguém fala em fome, nas listas de espera que engordam, em desemprego, logo um ministro vem desmentir os alegados factos. Mesmo que essas coisas fossem verdade – o que se nega peremptoriamente – o que seria isso comparado com a necessidade de reduzir o défice?
O défice é tudo. O défice é que é. Morra o povo, mas viva o défice!
Por outro lado, os principais clubes portugueses ainda estão nas competições europeias. Estão a ver como isto está a melhorar? Só as telenovelas altamente edificantes, ainda não apanham todo o horário televisivo, mas lá chegaremos. É preciso não falhar nesse grande objectivo de educar o povo. Vivam a Floribela e os Morangos! Viva o futebol e o senhor Scolari. E viva – é claro – a castanha assada!
E, depois, há a liberdade. A santa liberdade. O «coronel» Sócrates defende a liberdade até às últimas consequências. Um jornalista fez uma reportagem de que ele não gostou? Ponha-se a liberdade a funcionar. Como? Ora essa! Ligue-se para o chefe de redacção do jornalista impertinentemente livre e diga-se: «Daqui fala o «coronel» Sócrates. Como governante livre e responsável, não gostei do trabalho desse senhor. A partir de agora, não quero vê-lo mais à minha frente. Caso me apareça de micro em punho, tomarei a liberdade de não lhe prestar quaisquer declarações. Percebeu, ou quer ser discriminado? Em completa liberdade, claro!».
Mas a liberdade, na versão «coronel» Sócrates, já chegou à Madeira. Veja-se o que aconteceu ao senhor Alberto, também João e Jardim (mas do Jardim não se sabe se é apelido ou alcunha nascida de no «jardim» que a Madeira é, ele há tanto tempo mandar). Veja-se como – logo ele, que sempre gostou de erguer sobre os demais a sua voz tonitruante – não logrou, desta vez, fazer-se ouvir, como queria, pois a jornalista levava o recado bem estudado. Está tudo a mudar, não está senhor Alberto? Já lhe cortam o pio sem contemplações, tal como costumam fazer quando o entrevistado é da esquerda, especialmente do PCP.
E bem tentou o senhor Alberto desdobrar-se em números e dados, na tentativa de desmontar e demonstrar as maldades e as mentiras do Poder Central (de Lisboa, como ele gosta de afirmar). O que a jornalista queria era falar de abstracções, de coisinhas simpáticas, como solidariedade e espírito de sacrifício. Ela não queria ouvir – nem que nós ouvíssemos – os números do senhor Alberto, com os quais o dito cujo pretendia demonstrar que os «coronéis» de Lisboa andam a dizer aldrabices atrás de aldrabices.
Aflita, a Judite, sabendo como as coisas são – e qual a cor e o calibre dos «coronéis» que estão no poleiro – só queria falar em solidariedade, não queria dados que pusessem em causa a verdade oficial. Dados que, afinal, sempre ouvimos, embora a custo, pois a senhora entrevistadora sobrepunha a sua voz à do seu entrevistado, quando o senhor Alberto, pela linguagem dos números, demonstrava que em Lisboa se governa pior do que no Funchal.
E podem-me dizer que os números não são aqueles, que todos os políticos aldrabam e usam os números como lhes convém. Que até podia ser que fosse tudo mentira, pois o senhor Alberto é homem de muitos engenhos. Mas querem saber porque razão eu sei que ele falou verdade? Porque não veio nenhum «coronel» desmenti-lo. Porque engoliram em seco. Porque comeram (com os números) e calaram.
E só me espantou que à Juditezinha, que estava tão preocupada com o facto de a Madeira não querer abdicar das suas verbas em favor dos Açores, não tivesse o senhor Alberto sugerido que, por maioria de razão, também ela abdicasse de parte do seu ordenado a favor de alguém mais desfavorecido. Tinha lógica, não tinha?
Castanha assada. Quentes e boas! República das castanhas. Sem ofensa, sem desprimor, também república dos coronéis Ramiros, e dos seus émulos e sucedâneos, os doutores Mundinhos, que Jorge Amado tão bem descreveu na sua Gabriela, Cravo e Canela. Aprendemos isso no tempo em que as telenovelas eram obras de arte e veículos de cultura, em vez das boçalidades multicores que hoje são.
É isso. Mudam os coronéis, mas não muda o chicote, nem a bota, nem a bala, nem a forca, mesmo que seja para o grande amigo de outros tempos, cujos crimes porque está ser julgado (se aquilo é um julgamento) não tivessem sido todos cometidos com a bênção e a palmadinha nas costas do ex-amigo americano. Uma pergunta ingénua: Quando será George Bush julgado e condenado pelas centenas de milhares de mortos que já provocou, com base em mentiras tão grandes que, até ele, já não as pode sustentar? E vejam lá como Blair já está a voltar o bico ao prego.
Voltando à castanha (Castanha SA, obviamente, porque o SA é a solução mágica para tudo), voltando, então, à castanha, diz o insuspeito Tribunal de Contas que, afinal de… contas, os hospitais SA foram pior emenda que o soneto. Não se conteve o endividamento, nem os défices e (olha a grande novidade!) o grau de satisfação dos utentes baixou. Conclusão: está tudo bem encaminhado para a solução final: privatizar tudo e, quem não tiver dinheiro, morre à porta das urgências, como dizia, entusiasmado, um nosso ouvinte, por sinal grande fã do engenheiro Sócrates.
República das castanhas, que quer assar lixos tóxicos na Arrábida. Para já, os testes estão suspensos, em resultado da acção cautelar interposta nesse sentido pelas câmaras de Setúbal, Sesimbra e Palmela. Mas outra acção, visando defender a saúde pública e a segurança de pessoas e bens, face aos perigos para o meio ambiente que a co-incineração provoca, também deu entrada e, portanto, para o «coronel» Sócrates, a coisa ainda não é favas contadas.
A propósito disto, o advogado Castanheira Barros, que conduz estas acções, enviou-me as seguintes palavras, dirigidas também à Rádio Baía e ao seu auditório, como prova de confiança na Justiça e na Razão e, principalmente, como estímulo para que não baixemos os braços nesta luta pela defesa da Vida.
«Reacende-se a luta entre a Bela e o Monstro. Na Arrábida temos A Bela e o Monstro.
A Serra, com todo o seu esplendor, volta a atacar o Monstro que nasceu ali, junto ao mar, e se foi expandindo serra dentro, enfraquecendo a sua seiva e roendo a sua pedra.
Ao contrário da fábula dos irmãos Grimmm, a Bela nunca conseguirá apaixonar-se pelo Monstro e irão viver para sempre em conflito».

Estas curtas – mas significativas – palavras enviou-as, como disse, Castanheira Barros, o advogado que tem a responsabilidade de defender a Bela Arrábida do Monstro Sócrates – e da monstruosa co-incineração.
Nesta república das castanhas, como acabámos de perceber, nem tudo se perdeu. Há os Sócrates, os Diogos, os Corleonne e seus afins, mas também há aqueles que resistem, os que dizem não – e sabem porque o dizem.

10.26.2006

A GRANDE CALDEIRADA

Escolher, entre os grande portugueses, o maior de todos eles, parece ser a ciclópica tarefa a que a RTP deitou mãos. Um programa desta natureza (cópia, aliás, do que se faz lá fora, já que somos incapazes de produzir coisas boas e originais) tem inerente o risco de misturar alhos com bugalhos e, assim, preparar apetitosas caldeiradas, onde entram condimentos tão variados como ditadores, falsos democratas e democratas a sério, futebolistas e cientistas, fadistas e historiadores, ou médicos, escritores e compositores misturados com toda a espécie de bicho careta que, sem méritos especiais, deu no goto da rapaziada.

Pensando bem, talvez nem se trate de um risco, mas de um objectivo em si mesmo, tendo como útil efeito colateral fomentar a polémica e a zaragata. É assim, afinal, que se conquistam, se distraem – e se educam – as audiências…
Colocar Eusébio ou Amália ao nível de Egas Moniz, Pedro Nunes, Damião de Góis, Saramago ou Gil Vicente, ou Figo, Cristiano Ronaldo e António Variações a par de Domingos Bontempo, Viana da Mota, Freitas Branco ou Eça de Queiroz, tal como incluir, neste petisco, políticos como Salazar, Marcelo e seus derivados (Sócrates é, claramente, um sucedâneo de Salazar), serve, para além de entreter as audiências, levá-las a aceitar a arreata da figura tutelar – as únicas verdadeiramente importantes. Não mereceria, por isso, muitos comentários, não fosse dar-se o caso de, por esse mundo fora, se terem registado resultados «interessantíssimos».
Em França, por exemplo, não foi de entre Victor Hugo, Voltaire, Pasteur ou Descartes – ou, vá lá, Napoleão – que os telespectadores escolheram o maior dos franceses. Mereceu essa honra duvidosa um general de arrecuas, que fugiu a sete pés da França ocupada pelos nazis, e onde só voltou depois das forças hitlerianas terem sido vencidas por uma Resistência heróica, que abriu caminho aos exércitos aliados.

Na Grã-Bretanha, nomes como Shakespear ou Alexander Fleming perderam para Churchill, que viria, aliás, a ser clamorosamente derrotado nas primeiras eleições que se seguiram ao fim da Segunda Grande Guerra.

Na Alemanha, nem Beethovem, nem Goethe, nem Kant, mereceram a coroa de louros, mas, sim, Konrad Adenauer – outro político contemporâneo.

Nos EUA – país onde nada nos pode ou deve espantar – venceu um tal Ronald Reagan, como podia ter sido Búfalo Bill, Arnold Schwarzenegger ou al Capone, já para não falar do Super-Homem ou do Homem Aranha. Tanto fazia.

Assim, as democracias reinantes (passe a contradição… ou nem por isso) parem e amamentam esta ausência de cultura, esta falta de perspectiva histórica, esta burrice alarve e sem valores, porque é na estupidificação colectiva que o poder político encontra a sua principal ferramenta. É, como li, há dias, num muro: «A melhor arma do opressor é a cabeça do oprimido».

Já que falámos em caldeirada, a semana passada foi, para Sócrates, um grande tacho dela. Santana se chamasse, e logo teríamos aí os cães de fila do PS, com lugar cativo e bem pago na comunicação social, a falar de «trapalhadas» e coisas dessas.

Ele foi o ministro da economia a decretar o fim da crise, e logo a morder a língua com toda a gana. Chamou-se a si mesmo infantil e deu o dito por não dito.

Ele foi o governo, que prometera, em campanha eleitoral, manter as SCUTs gratuitas, e vá de lhes acrescentar umas portagens.

Ele foi o ministro da Saúde (Saúde… salvo seja!) a não saber justificar as novas taxas moderadoras nos internamentos, que afinal já não são isso, mas taxas de utilização, ou coisa que o valha.

Ele foi os médicos internistas a declarem que a rede de urgências que o governo quer impor é muitíssimo insuficiente, e que muitas das novas urgências não passam de SAPs a que se acrescentaram análises e RX.

Ele foi os mesmos médicos a criticarem o facto de os peritos que fizeram o frete ao Governo, ao elaborarem o estudo, terem seguido critérios de capitação de 200 mil habitantes por urgência, quando nos países onde os governos se preocupam um pouco com as pessoas, como a França, por exemplo, o critério é de 110 mil pessoas por urgência. Quase metade!

Ele foi os autarcas (mesmo os do PS) aos gritos pelo fecho das urgências.

Ele foi o secretário de Estado da Energia a dizer que os aumentos de 16% eram, só – e apenas – por culpa dos consumidores.

Ele foi o governo a dizer que não sabia de nada desse aumento, nem tinha que se meter nisso, para, horas depois, sempre ter qualquer coisa a dizer… e lá foi, a correr, reduzir o tamanho do roubo, recuando a todo o vapor.

Ele foi um primeiro-ministro ausente na apresentação do OGE, embora não esteja em gozo de férias, nem no Quénia, nem numa qualquer estância de Inverno, no estrangeiro.

Querem maior caldeirada – ou trapalhada? E depois só o bacano do Santana é que era trapalhão…

Mas está a preparar-se, por aí uma outra caldeirada. Uma grande – enorme – caldeirada.

Pois é. Outubro está ser um mês negro para os invasores norte-americanos no Iraque. Só até ao dia 20, já tinham sido contabilizados 72 soldados mortos naquele país invadido e ocupado há vários anos. Não fosse dar-se o caso de estarmos a falar de vidas humanas estupidamente ceifadas no holocausto de uma guerra imunda, eu diria que foi pena não terem sido 72 mil.

Seja como for, faço força, em nome da Vida, da Liberdade, da Razão, da Justiça e da Paz – já para não dizer: em nome do Direito Internacional, que é coisa que não se aplica a todos, muito menos aos EUA – para que os norte-americanos sofram, no Iraque, um revés maior do que sofreram no Vietname. Aliás, até Bush já reconheceu que o Iraque se está a transformar num novo Vietname. Lerdozinho, mentecapto compulsivo, padecente de acefalia crónica, a repugnante criatura só agora viu – ou a deixaram ver – aquilo que, há muito tempo, muita gente sabia.

Em desespero de causa, vieram agora a Câmara dos Representantes e o Senado dos EUA aprovar a prática da tortura. A partir daqui, quem for considerado suspeito de terrorismo (e os EUA é que dizem quem é – ou não – suspeito disso), fica sujeito a prisão por tempo indeterminado e, durante ela, a ser torturado até confessar aquilo que aos algozes convier.

Passam a existir, assim, duas espécies de tortura, mesmo que sejam iguaizinhas.

A tortura ilegal, ilegítima, imoral e violadora da Declaração Universal dos Direitos Humanos – ou seja: aquela que for praticada por qualquer governo, instituição, grupo ou indivíduo, desde que não afecto ao regime imperial com sede na Casa Branca, Washington;

E a tortura legal, democrática e respeitadora dos direitos do Homem, isto é: aquela que for praticada pelos esbirros norte-americanos, seja no seu território, seja na Europa, seja em qualquer parte do mundo que, como ela –a Europa – esteja sujeito à tutela imperial norte-americana.

Até ver, têm-se calado, hipócritas e canalhas, os governos ocidentais.

Como as coisas estão, com a CIA a voar de país para país, com aviões cheios de suspeitos de terrorismo, vindos ou levados de ou para uma qualquer masmorra ou centro de tortura, sem que os governos locais saibam de nada – ou finjam que não sabem – não tarda nada entram-nos casa adentro, de madrugada (tal como a PIDE usava fazer), meia dúzia de agentes norte-americanos da CIA, essa tenebrosa seita, e lá vão na ramona (hoje será em automóveis negros e de vidros fumados) a caminho de um jacto estacionado na Portela, aqueles que, como eu, abominam a bestialidade ianque – e o dizem em voz alta. Tudo, claro, sem que o governos locais ou as diversas polícias nacionais, pairando distraídas sobre a infâmia, dêem por isso. E não será de estranhar se, mais dia, menos dia, forem mesmo esses governos a fazer o frete, entregando o «terrorista» às masmorras imperiais. Já faltou mais.

Para poupar trabalho e dinheiro aos nossos governantes, dispensando, assim, escutas e ouvidores – pelo menos no que me respeita – daqui afirmo, calma mas convictamente, que estou, sem a menor hesitação, contra aquilo que, para mim, é um claro projecto imperial de dominação do mundo, levado à prática pela administração norte-americana.

Mais: porque considero esse projecto cada vez mais semelhante, nos objectivos e nos métodos, à luta pelo Espaço Vital desenvolvida pelo regime nazi e pelas suas hordas hitlerianas – e que viria a incendiar o mundo entre 1937 e 1945 – sinto ser meu dever denunciar e combater a patifaria por todos os meios ao meu alcance.

E se isto é ser terrorista…

9.07.2006

Co-incineração e mentirolas

Co-incineração e mentirolas
(ou os «negócios da China» do Partido Socialista)


Da acção de Sócrates como ministro do Ambiente do governo de António Guterres, duas coisas ficaram na memória dos portugueses: a primeira, foi a sua total incapacidade para resolver os graves problemas ambientais do país; a segunda, foi e uma doentia fixação no processo de co-incineração, que teimava em localizar na Arrábida e em Souzelas. Na altura, um vigoroso movimento de opinião alastrou pelo país e, principalmente nas regiões ameaçadas, contribuiu para pôr a nu os malefícios do processo e, ao mesmo tempo, desmascarar os verdadeiros interesses do Partido Socialista em todo aquele sinistro esquema. Por estas e por outras, Guterres fugiu a sete pés, o PS perdeu as eleições, e pensou-se, então, que a Arrábida estava salva e que o bom-senso se imporia nas decisões que os futuros governantes viessem a tomar.

De facto, Isaltino Morais pôs fim à cabala socialista, e apesar da sua curta passagem pelo governo de Durão Barroso, ainda assim, foram homologados dois Centros Integrados de Recolha e Valorização de Resíduos Industriais Perigosos, o que praticamente dispensava a co-incineração em cimenteiras, ou a incineração dedicada.

Mas, afinal, o que é isso da co-incineração? Incinerar é tratar termicamente os resíduos. No caso da co-incineração de RIP em cimenteiras, o processo consiste em substituir parte do combustível fóssil utilizado nestas unidades industriais, como, p.e., o carvão, por resíduos que têm um poder calorífico significativo. A destruição dos RIP dá-se nos fornos das cimenteiras juntamente com as matérias-primas utilizadas para o fabrico do cimento. Neste processo, os componentes orgânicos dos resíduos são destruídos, mas os metais são incorporados no produto final, ou seja, no cimento.

Contudo, como qualquer outro processo de tratamento térmico de resíduos, comporta riscos, quer para o ambiente, quer para a saúde pública, como a libertação de poluentes atmosféricos, e é aqui que está o calcanhar de Aquiles do processo. Por outras palavras: uma parte dos resíduos (a menos perigosa) é eliminada, outra parte vai aparecer misturada com o cimento, e outra parte há que vai passar para a atmosfera, através de partículas de vária natureza, sendo as mais perigosas designadas por dioxinas e furanos, tidas como altamente cancerígenas. Isto é, o processo não é seguro.

E por o não ser, a co-incineração tem vindo a ser gradualmente posta de parte, de tal maneira que, no dia 22 de Maio de 2001 foi aprovada a Convenção de Estocolmo sobre os Poluentes Orgânicos Persistentes (POPs). Nela, os cerca de 100 países signatários, entre os quais Portugal, reconheceram que os POPs são muito perigosos para a saúde humana e o ambiente, devendo as suas emissões ser reduzidas o mais possível, e tanto quanto possível eliminadas por completo. Ora, a co-incineração de RIP em cimenteiras está explicitamente listada na convenção como uma actividade a ser eliminada o mais depressa possível, conforme se lê no anexo C, Parte II, alínea b) da referida Convenção.

Já nessa altura, caros ouvintes, não se compreendia que o Governo português, tendo subscrito essa convenção, quisesse, ainda assim, prosseguir com a co-incineração em Portugal. Para o fazer, Sócrates repetia, mentindo grosseiramente, que a co-incineração era inócua. Se o era, porque carga de água assinou, então, uma convenção internacional, com mais de 100 países, que diz exactamente o contrário? E o descaramento e espírito manipulador do então ministro do Ambiente – e actual PM – foram tão longe na tentativa de iludir o povo português, que o site do Ministério do Ambiente nunca divulgou a Convenção de Estocolmo nem, como aconteceu nos outros países subscritores, traduziu – e muito menos publicou – o texto saído da Convenção nesse seu site. Democratas…

Para que se veja, ainda, o calibre deste indivíduo a quem os portugueses deram rédea solta para governar o país, lembremo-nos que Sócrates afirmou nessa ocasião, respondendo a uma queixa apresentada em Bruxelas por altura da sua primeira investida com a co-incineração no Parque Natural da Arrábida, que (e cito) «nunca esteve nas intenções do governo a queima de resíduos perigosos no Outão».

Chegou a altura de dizer duas coisas: uma, é que a co-incineração é o «negócio da China» para qualquer cimenteira. Primeiro, porque recebe financiamentos estatais para se dotar com filtros e outros equipamentos que, alegadamente, melhorem o processo de queima; segundo, porque os resíduos que vai utilizar como combustível, permitem-lhe poupar mais de 30% no consumo em energia para funcionamento dos seus fornos; finalmente, porque uma parte dos resíduos vai entrar na composição do cimento, em vez das matérias-primas normalmente utilizadas. Talvez por isso, e tal como foi dito em 2001 – e então largamente divulgado na comunicação social escrita e falada – o PS terá sido altamente beneficiado com generosos donativos financeiros por parte das cimenteiras.

Outra coisa que convém denunciar é a farsa de uma tal Comissão Científica Independente (CCI), nomeada e paga pelo Governo socialista para decidir e acompanhar todo o processo de implantação e funcionamento da co-incineração. Independente, nunca foi, nem seria, caso ainda legalmente existisse, por duas razões principais. Em primeiro lugar, não se tratava de uma comissão de cientistas que procurassem a melhor solução para a queima de RIP, mas uma comissão de pessoas que, à partida, já defendiam a co-incineração – e por isso foram escolhidas e para isso eram pagas. Em segundo lugar, porque essas pessoas seriam pagas – e muito bem pagas, para cima de seiscentos contos mensais – para acompanhar o processo enquanto ele funcionasse, ou seja: sabendo dizer «Sim, senhor ministro», arranjavam um tacho vitalício. Mas que rica independência!

Talvez isso explique porque o relatório da CCI contém erros de tal modo grosseiros, que não se vê outra explicação para eles que não seja a de, a qualquer custo, levar a carta a Garcia, ou seja, fazer o frete ao Governo. Por exemplo: para demonstrar que uma cimenteira em regime de co-incineração emite poucas dioxinas, a CCI comparou as emissões de uma cimenteira com as emissões de fogões de sala, concluindo que a co-incineração numa cimenteira corresponde às emissões de dioxinas/furanos de 170 fogões de sala a queimar 4 toneladas de lenha por ano.

Mas como foram feitos os cálculos? A CCI estimou que uma cimenteira emite 0.41g de dioxinas/furanos por ano, dizendo, sem explicar como aí chegou, que, no máximo, 1/3 desse valor corresponde à co-incineração. Seguidamente, estimou as emissões de um fogão de sala, que queima 4 toneladas de madeira por ano (considerado que esta situação é representativa do caso português), citando um relatório dinamarquês que supostamente dizia que cada quilograma de lenha emite 200 nanogramas (ng) de dioxinas/furanos.
Porém, quando se verifica o relatório dinamarquês citado, observa-se que o valor 200 ng / kg não aparece em lado nenhum. Apenas aparece o valor 200 ng / tonelada, ou seja, 1.000 vezes menor do que o valor usado pela CCI. Do relatório dinamarquês tira-se também que os 200 ng / tonelada não se referem a fogões de sala ("wood stoves") mas sim a um outro tipo de queima, mais industrial ("wood furnaces"). O valor para fogões de sala aparece numa outra secção do relatório dinamarquês, e é 1.9 ng / kg, ou seja, mais de 100 vezes menor do que o valor que a CCI usou nos seus cálculos.

Ou seja, o relatório mostra que houve um duplo erro por parte da CCI: por um lado, trocou toneladas por quilos. Por outro, utilizou um valor de uma secção de queima industrial, em vez de usar o valor da queima em fogões de sala.

Não há dúvida de que o valor 200 ng/kg usado pela CCI para queima residencial de madeira está errado. A bibliografia científica demonstra-o e a CCI sabia disso, uma vez que viu essa bibliografia. No entanto, a CCI nunca aceitou o erro e, mesmo assim, é neste tipo de argumentação que o governo de Sócrates se baseia para voltar a atentar contra a nossa saúde.

Chegados aqui, alguns perguntarão: «Mas para o Governo insistir na co-incineração, não será que ela é a melhor solução para os RIP por aí produzidos e espalhados?». Só há uma resposta: «NÃO! NÃO É». E não é, por razões científicas e económicas internacionalmente aceites e valorizadas.

O que a comunidade científica internacional tem vindo a dizer – e que a Convenção de Estocolmo espelha e a União Europeia acompanha – é a aplicação da chamada regra dos Três Erres: Redução, Reutilização e Reciclagem de RIP.

Aliás, a Associação Nacional dos Médicos de Saúde Pública, que se pronunciou sobre a co-incineração, referiu, entre outras coisas, o seguinte:

«Quanto maior a quantidade de resíduos queimados, maior é a exposição humana a produtos tóxicos e, portanto, maior é o risco para a saúde pública. Apesar desta ser uma evidência unanimemente aceite, a CCI não fez recomendações no sentido de reduzir a produção de RIP, e ignorou a existência de experiências concretas em Portugal que demonstram a eficácia desta opção, como é o caso de 14 empresas de Setúbal orientadas por um programa do INETI» pois «a política dos três R deve sempre preceder a aplicação da incineração. Pelo contrário, a CCI insistiu numa atitude favorável à co-incineração dos óleos e solventes, esquecendo totalmente as prioridades da política de resíduos, não tendo sequer visitado a fábrica existente em Pombal para a regeneração de solventes halogenados e não halogenados. Também os óleos podem ser regenerados em Portugal e os resíduos finais inertizados, sem necessidade de incineração, o que a CCI nem sequer refere no relatório».

Mas ainda acrescentaram os Médicos de Saúde Pública:

«A defesa da Saúde Pública passa sempre por princípios, de que recordamos alguns:

Precaução
- quando não conhecemos todos os efeitos sobre os humanos de uma determinada medida ou processo (como é caso da co-incineração) é melhor não os pôr em prática. Aliás, isso é prática corrente na UE (e Portugal soube-o quando foi atingido pelo embargo à carne de vaca por não ter totalmente controlada a "doença das vacas loucas"). E é certamente mais fácil controlar as vacas atingidas por BSE, do que os fumos das cimenteiras que não podemos estabular, nem abater.

Biodiversidade - como condição estrita para o normal desenvolvimento da vida e garante do equilíbrio da espécie humana com o ambiente que a rodeia. Defende-se a multiplicidade da vida, em particular as formas unicelulares como a matriz sustentadora da própria vida. Quando falamos de saúde humana, estamos a falar também da saúde dos microrganismos que co-determinam os ecossistemas onde vivemos. Além de poderem ser alteradas as espécies presentes nos ecossistemas atingidos pela poluição, os microrganismos concentram os poluentes e introduzem-nos na cadeia alimentar com graves riscos para a saúde humana.

(E meto um parênteses para dizer que nos locais onde ainda se pratica a co-incineração, é proibido, num raio de 30 km, desenvolver actividades agrícolas e agro-pecuárias).
A CCI propôs a co-incineração na cimenteira do Outão, em pleno Parque Natural da Arrábida, proposta que para além de legalidade duvidosa, carece de bom senso. A única proposta aceitável para o futuro daquela cimenteira, só pode ser o seu encerramento e a sua transferência do Parque para distância razoável, onde não possa pôr em risco o último santuário da flora mediterrânica primitiva».

Isto, disseram os Médicos de Saúde Pública.

E é aqui chegados, ao Parque Natural da Arrábida, à Serra-Mãe de Sebastião da Gama, a essa pérola do nosso património natural, a esse santuário da fauna e, sobretudo, da flora, com espécies únicas no planeta – e que se encaminha para ser património natural da toda a Humanidade – que a fixação psicótica de Sócrates, a sua arrogância despótica – e, por isso mesmo, verdadeiramente imbecil – assume o aspecto de duplo crime: pelo que atrás ficou dito sobre a co-incineração, e pelo que representa enquanto atentado verdadeiramente terceiro-mundista a algo que só uma mente enviesada é capaz de não respeitar e defender – a Serra da Arrábida.

Hoje, uma única dúvida se me coloca: será apenas a psicose de um indivíduo a quem o exercício do poder descompensa gravemente, ou os negócios da China, com os seus opiáceos langores, terão levado o Partido Socialista a perder por completo a noção das mais elementares conveniências?

Dizendo de outro modo: será um caso clínico, ou um caso de polícia?.

Resumindo:
A co-incineração é um processo em vias de extensão, que a comunidade científica internacional tem vindo a rejeitar, não só pelos malefícios que nele são detectáveis, como por haver a consciência de que ainda não foram completamente avaliados todos os seus impactos nocivos para o meio ambiente e, sobretudo, para a saúde pública.

Levar os lixos tóxicos e a respectiva co-incineração para a Arrábida, um Parque Natural incluído na Rede Natura 2000, candidato a Património Natural da Humanidade, ou para cima de uma população, como em Souzelas, tal como escrevi no Outra Banda, em 11 de Junho de 1999, «não lembrava ao diabo». E isso sabia – e sabe-o – José Sócrates, pois já em 1998 mentiu a Bruxelas, garantindo que levar a co-incineração para uma área protegida estava fora de questão. Vê-se.
Por tudo isto, queridos ouvintes, digo-vos eu que «co-incinerados» no tribunal da opinião pública devem ser o ministro do Ambiente e o seu mentor, o primeiro-ministro Sócrates. Pelo crime anunciado e, também, porque de mentirosos e trapalhões está o país farto.
Principalmente quando o PS chega ao poder.