11.29.2008

Sócrates e a banha-da-cobra

(Com a devida vénia ao autor do blog referido na foto)

As mentiras e o que elas escondem

Quando o senhor «engenheiro» veio dizer aos portugueses, com o ar mais convicto deste mundo, que Portugal havia escapado à recessão económica, estava, é claro, a mentir. Mesmo que seja um ignorante em economia, dado que o diploma que obteve apenas lhe permite auto-intitular-se engenheiro, tinha obrigação de perguntar ao seu ministro das Finanças se podia garantir tal coisa. É claro que o ministro das Finanças, mesmo sendo considerado o pior de UE, deveria saber o suficiente para o aconselhar a não proferir tal barbaridade. Donde se conclui, sem margem para qualquer dúvida, que Teixeira dos Santos e José Sócrates decidiram aldrabar aos portugueses.

Na realidade, o INE divulgou, recentemente, os dados provisórios sobre o PIB do 3.º trimestre de 2008. E esses dados revelam, quando os comparamos com os do trimestre anterior, que o crescimento económico em Portugal foi ZERO. Na verdade, um primeiro-ministro avisado, ou que não gostasse de mentir aos seus governados, deveria saber que os dados divulgados pelo INE são ainda provisórios, pois os definitivos só serão publicados em Dezembro, e que os dados definitivos, normalmente, corrigem os provisórios em baixa, o que poderá significar que o ter «escapado à recessão» é transitório e apenas resulta da falta de precisão dos dados agora disponíveis.

Para além disso, um crescimento zero, que deveria deixar de cabelos em pé a qualquer governo responsável, parece não incomodar o senhor primeiro-ministro, que prefere continuar a apostar na mentira e no ilusionismo como forma de governação. Na melhor das hipóteses – isto é: o primeiro-ministro e o ministro das Finanças são dois ignorantes chapados – poder-se-ia concluir que Sócrates e o seu governo ainda não conseguiram compreender que o País caminha para a recessão económica, e que são necessárias medidas urgentes para reduzir as consequências sociais e os consequentes efeitos sobre a economia. Medidas urgente, e não conversa fiada.

Por outro lado, Sócrates embarca, como todos os governantes por esse mundo fora, apostados em socorrer o capitalismo nesta sua longa e fétida agonia, na tese enganadora – outro mentira, portanto – que garante que a crise financeira vai agora afectar a «economia real», ou seja, vai entrar forte e feio nos bolsos das pessoas. Quanto a mim, que não sou engenheiro nem economista, sei o suficiente para vos garantir que é precisamente o contrário, ou seja: foi porque a crise afectou drasticamente as famílias, levando-lhe dos bolsos até o necessário para as despesas básicas, que o sistema «deu o berro» (perdoem-me o plebeísmo), já que se confrontou com a impossibilidade de continuar a sugar a torto e a direito, como até há pouco fazia.

Vendo bem, este «aviso» de que vêm aí tempos difíceis, mais não é que preparar o pagode para ainda mais sacrifícios, já que é necessário voltar a encher os baús dos magnatas com fundos públicos, em vez de lhes retirar as rédeas do poder económico, encarcerá-los (como se faz a qualquer larápio) e, naturalmente, desapossá-los definitivamente das empresas que delapidaram criminosamente.

Falámos, então, de duas mentiras recente do senhor «engenheiro». Como não há duas sem três, continuemos:

Sócrates não se cansa de afirmar que o Orçamento Geral do Estado, apresentado para 2009 – e aprovado apenas pelo PS – diminui a carga fiscal que incide sobre as empresas e as famílias. É mentira! Repito: é mentira! A verdade é outra, e Sócrates bem o sabe.

Explica-nos o economista Eugénio Rosa (que por ser um desmancha-prazeres não é visita frequente dos programas de opinião e «esclarecimento» que as nossas televisões impingem) – e passo a citar – que «em 2008, os escalões do IRS aumentaram apenas 2,1% e, em 2009, a subida decidida pelo governo é apenas de 2,5% o que dá, para o conjunto dos dois anos, 4,7%, ou seja, um valor que é inferior à taxa de inflação, que somou 5,5%. Assim, se um trabalhador tiver no conjunto dos dois anos uma subida salarial igual ao aumento de preços, o seu poder de compra diminuirá devido ao efeito corrosivo do IRS, já que a actualização insuficiente dos escalões do IRS determinará que ele passe para um escalão mais elevado, o que obrigará a pagar mais imposto, ficando, em consequência, com menos salário».

E continua Eugénio Rosa, na sua qualidade de economista dos pobres, e não ao serviço dos senhores do capital financeiro: «É o que acontecerá com os trabalhadores da Administração Pública, cujos vencimentos aumentaram, em 2008, apenas 2,1% e, em 2009, o governo pretende impor uma subida de apenas 2,9% o que dá, para o conjunto dos dois anos, um aumento de 5,1%, que é inferior à subida dos preços nos dois anos. O poder de compra destes trabalhadores diminuirá devido não só ao facto dos vencimentos subirem menos do que a inflação, mas também porque os escalões do IRS aumentaram menos que a subida verificada nos vencimentos. Neste caso, verificar-se-á o efeito corrosivo conjugado da inflação e do IRS, o que provocará uma descida mais acentuada do poder de compra dos vencimentos no conjunto dos dois anos».

Assim, como facilmente se conclui, «a política fiscal do governo, materializada na Proposta de OE2009, determinará um agravamento da injustiça fiscal. E isto porque a percentagem das receitas fiscais que têm como origem os Impostos Indirectos, que são impostos mais injustos porque não têm em conta o rendimento de quem os paga, aumentará de 57,7% para 58,9%. Isto significa que em cada 100 euros de impostos pagos pelos portugueses em 2009, 58,9 euros terão como origem impostos indirectos (IVA, Imposto sobre Produtos Petrolíferos, Imposto de Tabaco, etc). É claro o desrespeito pelo n.º 1 do art.º 103 da Constituição da República, que diz textualmente o seguinte: "O sistema fiscal visa a satisfação das necessidades financeiras do Estado e outras entidades públicas, e uma repartição justa dos rendimentos e da riqueza"».

Aqui chegados, podemos concluir que nem são as mentirolas de Sócrates que mais nos devem preocupar, já que elas só servem para encobrir algo de muito grave, e que é isto: o governo socialista depena e sangra os trabalhadores portugueses e os reformados, para canalizar os recursos assim acumulados directamente para as mãos do grande patronato e para as arcas sem fundo dos senhores do capital financeiro.

E como estamos no campo das mentiras e dos mentirosos, vem a talho de foice falarmos do fecho das Pirites Alentejanas. Há seis meses, José Sócrates garantia, em Aljustrel, trabalho para dez anos e salientava que «é disto que o País precisa».

Agora, mal passado que foi meio ano, é anunciado novamente o fecho das minas, e o governa desdobra-se em manobras para tentar ganhar tempo e adiar os protestos dos trabalhadores. Fala de uma venda das minas – o que não é possível, uma vez que apenas poderá ser negociada a concessão da exploração dos recursos naturais, e não a sua propriedade – a um grupo estrangeiro fantasma, mas tudo leva a crer que nada disso tem bases credíveis.

Mas também não importa. Afinal são apenas algumas centenas de famílias que vêem a miséria a bater-lhes à porta.

Olhem: são mineiros, não é verdade? Pois que fossem banqueiros, que alguma coisa se havia de arranjar. Para aí qualquer coisa como uns vinte mil milhões de euros, estão a ver?

11.19.2008

Grande Circo Lusitano (II)



A democracia interrompida


Sempre que o PS está no poder, lembro-me dos tempos anteriores ao 25 de Abril. Parece-me que faço uma viagem ao passado. Volta a insegurança, volta o medo, voltam as dificuldades, voltam as perseguições, as ameaças, a repressão, as denúncias, a bufaria. Volta o contar aflitivo dos tostões (cêntimos, na desgraçada moeda actual).
Para além destes regressos, aparecem coisas novas, como o Código do Trabalho, que pretende obrigar-nos a trabalhar onde e quando os patrões quiserem, mais nuns dias, menos nos outros, entregando-nos – e às nossas vidas – completamente, nas mãos das entidades patronais. Esta, meus amigos, nem Salazar admitiria.

Há dias, um sujeito que ocupa o lugar de secretário de Estado da Administração Pública, boy socialista cheio de energia para levar à prática as políticas do «engenheiro»-chefe, José Sócrates Pinto de Sousa, disse, sem se engasgar, que a reforma da Administração Pública « está no terreno» e que quem não cumprir as exigências que a lei impõe «será trucidado». E precisou: «Trabalhadores, serviços e dirigentes que não estejam com a reforma serão trucidados». Este belo exemplar da raivosa matilha socialista, de seu nome Gonçalo Castilho dos Santos, não está com meias medidas, pelo que resolveu enfatizar: os funcionários devem ter a noção de que «a reforma já não pode andar para trás», pelo que «trucidará quem não estiver com ela».

Resumindo a ideia do fulano:
hoje, quem não está com o poder arrisca-se a ser trucidado, tal como antes se arriscava a bater com os ossos em Caxias ou Peniche. E estamos conversados sobre o conteúdo democrático da gentalha socialista instalada no poder.

Mas, no entanto, convém esclarecer que as ameaças do senhor Castilho dos Santos revelam algo mais do que espírito despótico. Revelam medo. É que se o Governo aprovou legislação para entrar em vigor em 1 de Janeiro, não há lei que obrigue ninguém a assinar o novo contrato. Para poder entrar em funções, cada funcionário público assinou um contrato. É esse que vale, pelo menos até assinar outro que o substitua. O que falta saber é como irá reagir a maioria do funcionalismo público ao convite para assinar um contrato pior do que o anterior. Com mansidão suicida, ou dizendo um estrondoso «BASTA!» a tanta manigância e violência? Como 2009 é ano de eleições, este assunto, apesar das ameaças, não está encerrado.

Voltando aos professores – e aos alunos – e à sua justa luta contra as malfeitorias desvairadas da ministra, verifica-se que a Monalisa da Educação já começou a recuar a todo o vapor. No que respeita ao Estatuto do Aluno, até legislou ao domingo para – pasme-se! – acusar as escolas de… estarem a cumprir a lei. Diz ela no seu despacho: «Considerando que a adaptação dos regulamentos internos das escolas ao disposto no Estatuto do Aluno nem sempre respeitou o espírito da Lei, permitindo dúvidas nos alunos e nos pais acerca das consequências das faltas justificadas designadamente por doença ou outros motivos similares…». Isto é: as escolas perceberam mal o «espírito da Lei». Pois… o espírito da Lei. E a letra da Lei, a que a ministra agora dá outra e letra e, consequentemente, novo espírito? Francamente, senhor ministra, V. Exa. entrou, definitivamente, em parafuso.

Relativamente à avaliação dos professores, a ministra, suando por todos os poros, já deixa escapar que, afinal, tudo pode ser discutido. Ainda estrebucha, mas já vai dando o flanco. É fundamental que, agora, os professores, os alunos, as famílias e, em geral, os portugueses mantenham a unidade e a firmeza necessárias para impedir a concretização das alucinações de Sócrates e da D. Maria de Lurdes.

Pelo meio, duas anedotas:

Uma, conta-nos que mais de 250 Magalhães, entregues por Sócrates numa escola transmontana, foram retirados aos alunos mal acabaram as cerimónias da oferta, captadas com toda a pompa e alarido pelas câmaras de televisão, numa das mais ridículas acções de propaganda promovidas pelo senhor «engenheiro». É de morrer a rir, esta anedota…

A outra, é contada pelo próprio Sócrates. Disse ele: «Sou, digamos assim, da geração Kennedy. Essa eleição representou já um momento histórico. Lembro-me do debate que houve na América quando, pela primeira vez, um católico se candidatou a presidente. O próprio Kennedy teve de vincar bem que nunca receberia ordens do Papa enquanto presidente dos EUA. Lembro-me bem do que isso significou

Ora, José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa nasceu no dia 6 de Setembro de 1957, em Vilar de Maçada, concelho de Alijó, distrito de Vila Real. E Kennedy foi eleito presidente dos EUA em Novembro de 1960. Ou seja: José Sócrates tinha, então, três aninhos de idade. Que menino tão precoce! Ou será que a certidão nascimento também foi passada ao domingo e – digamos assim – de forma menos precisa?

Voltando ao sério, soubemos que foi reconhecido, em Bruxelas, aquilo que, em Portugal, todos sabemos. Temos dos piores sistemas de cuidados de Saúde de toda a Europa, dado que surgimos em 26.º lugar numa classificação dos sistemas de cuidados de Saúde em 31 países europeus, divulgada em Bruxelas pela organização Health Consumer Powerhouse, que sublinha o deficiente acesso aos tratamentos e tempo de espera.

Com um total de 507 pontos em 1.000 possíveis, no conjunto de 34 indicadores de desempenho divididos em seis categorias, Portugal é o quarto país da União Europeia com pior resultado, surgindo na lista apenas à frente de Roménia e Bulgária, da Croácia e Macedónia (dois países candidatos à adesão à UE) e da Letónia, última classificada, numa lista liderada pela Holanda.
O 26.º lugar atribuído a Portugal representa uma nova queda relativamente às hierarquias elaboradas nos anos anteriores, já que em 2006 Portugal surgia na 16.ª posição e no ano passado no 19.º posto. Mais uma medalha de «mérito» para a governação socialista, coisa que a modéstia de Sócrates impede de referir nos seus inflamados discursos.

A propósito de Saúde. A gaguejante ministra da pasta, Ana Jorge, parece querer bater Lino e Pinho no que respeita a gaffes e barracadas. Não sabe responder a nada do que lhe perguntam, especialmente quando se trata das contas – das dívidas – do seu ministério e das enormes derrapagens orçamentais. Enrola, sorri, engole em seco, gagueja, diz que o secretário já respondeu às questões, e quando lhe recordam que isso não corresponde à verdade, lá vai dizendo que a «não resposta» do senhor secretário é, afinal, a resposta que se pode arranjar.

É o Grande Circo Lusitano em todo o seu esplendor.

Mas haja circo, porque pão, esse, vai faltando um pouco por todo o lado.

11.16.2008

Intermezzo VI




Outono

Escrevi na terra molhada o meu nome. E fui no vento.
No hálito da tarde, habitada por folhas inquietas,
persegue-me a nitidez das letras recortadas.
É ali que vou morrer, pressagio,
sem ponta de medo ou emoção.
Creio que os plátanos sabem,
no silêncio obsessivo das raízes,
o local exacto onde o outono cobra os seus tributos.

Resta, então, um silêncio fatigado de desejos magoados,
tela pintada com poalhas e crepúsculos,
uma vontade enorme de ser chão, ou seiva, ou aloendro.
No entanto, um insólito calor corrompe os musgos,
fermenta o vinho novo nos lagares antigos
e, no segredo das colmeias, fervilham sonhos de flores ausentes.

Pressinto a vida emboscada na ilusão da morte.

11.15.2008

De Maria de Lurdes e outras calamidades

Uma ministra alucinada, um «engenheiro» egocêntrico
e um partido que envergonharia a velha União Nacional,
são as grandes atracções do Grande Circo Lusitano

O Grande Circo Lusitano

A ministra da Educação, entrevistada no dia da gigantesca manifestação dos professores, entre várias diatribes indicadoras do seu desespero e, acima de tudo, da falta de argumentos que suportam as medidas governamentais para o sector, regorgitou que tudo tinha a ver, essencialmente, com estratégias partidárias e o ano eleitoral que se aproxima.

Ao ouvi-la, lembrei-me de Salazar, que costumava atribuir aos comunistas qualquer vestígio de contestação à ditadura. Há tiques – e desculpas – que definem a mentalidade de quem os usa, do que resulta que não é democrata e decente quem quer – ou disso se rotula – mas quem intrinsecamente o é.

Na altura em que expeliu afirmação tão bafienta, a senhora ministra, do alto da sua arrogância e prepotência, acrescentou que a manifestação também era uma forma de chantagear as escolas e os professores que, segundo ela, eventualmente acatam as malfeitorias do governo socialista. Nessa altura, bem poderia – e deveria – o jornalista ter-lhe perguntado se alguns desses professores também não terão o seu partido (no caso, o PS) e, por isso, agirão mais por devoção partidária, e menos em defesa dos seus interesses profissionais e, acima de tudo, em defesa da escola, do ensino e da formação dos alunos que têm a seu cargo.

Poderia perguntar-lhe, também, se a ministra não tem conhecimento das enormes pressões exercidas pelo aparelho socialista instalado nos vários patamares da hierarquia do sector, que vão desde a actuação dos rasteiros e dissimulados bufos, até à descarada repressão de responsáveis pelas direcções regionais de educação – de que é exemplo flagrante uma tal Margarida Moreira, matrona socialista, de vocação inquisidora, a que junta uns laivos repressivos herdados do regime anterior. Mas o jornalista não se lembrou destas elementares perguntas ou, então, achou mais prudente não irritar a senhora e, por consequência, o «engenheiro», que assim não precisou de se incomodar a telefonar para o responsável da estação, exigindo que o atrevimento fosse devidamente punido. Como já fez noutras oportunidades.

Mas deixemos, por agora, D. Maria de Lurdes e os seus fantasmas, para olharmos o país em geral, onde a pobreza continua a alastrar. E se pensam que se trata de uma afirmação minha, subversiva e sectária, desiludam-se. Quem o afirma é a própria igreja católica, pela voz dos seus bispos, que garantem não deixar de lutar contra a pobreza, chamando a atenção para o facto de haver cada vez mais famílias a passar fome em Portugal.

Discursando na Assembleia Plenária da Conferência Episcopal Portuguesa, realizada em Fátima, o arcebispo de Braga, D. Jorge Ortiga, afirmou mesmo que o governo devia proteger mais as famílias e fazer do combate à pobreza a sua principal preocupação. Repito: a sua principal obrigação.

«Numa sociedade dita avançada é confrangedor deparar com as dificuldades vividas no interior de muitos lares. Começam a faltar bens essenciais e a vergonha torna a pobreza mais angustiante», afirmou D Jorge Ortiga, salientando que «não se pode ignorar e desconsiderar as grandes dificuldades económicas em que se encontram muitas das nossas famílias, particularmente os mais jovens e os reformados».

Como que respondendo a isto, em Oliveira de Azeméis encerrou mais uma fábrica, a IBEL, lançando para o desemprego cinquenta trabalhadores. São mais algumas famílias que vão engrossar a lista angustiante dos que não sabem como vão sobreviver daqui para a frente. Claro que estes postos de trabalho que se perderam não contam para a contabilidade de José Sócrates mais os seus mirabolantes 150 mil novos postos de trabalho, já que para a contabilidade do senhor «engenheiro» não existe a coluna do deve, mas apenas a coluna do haver.

Entretanto, o preço do petróleo já está abaixo dos 50 dólares, quando há poucos meses se cotava a 140 dólares. Resultado desta descida? A redução, de vez em quando, de alguns cêntimos no preço dos combustíveis. Pergunta ingénua: porque não voltam os combustíveis aos preços aproximados daqueles que vigoravam quando o petróleo se transaccionava ao preço que tem hoje?

Ao mesmo tempo, a União Europeia quer que Portugal reduza as suas capturas de pescado em águas nacionais, propondo um corte de 40% para o carapau e cortes inferiores, mas significativos, para outras espécies. Tudo isto levará a preços mais caros, a mais desemprego e a um maior endividamento do país ao estrangeiro, já que o pescado que não podemos capturar passará a ser importado. Veremos como vai reagir o governo, mas o costume é curvar-se à vontade comunitária, depois da palhaçada de algumas reduções simbólicas à proposta inicial.

No capítulo da segurança, continuam os assaltos para todos os gostos. Portagens, cafés, ourivesarias, bancos, pessoas na via pública, e por aí fora. Nas Caldas da Rainha, por exemplo, uma mulher, de 68 anos, foi picada com uma seringa, arrastada pelo chão durante vinte metros e agredida a pontapé por um ladrão, toxicodependente, que acabou por lhe roubar dez euros. Apesar da violência do roubo, que obrigou a vítima a receber assistência hospitalar, o assaltante, entretanto detido, ficou em liberdade a aguardar o julgamento. E, provavelmente, com a sua indispensável seringa, paga por todos nós, e que por não ser considerada uma arma, não carece de licença.

Bem fez o proprietário de um café no Barreiro, que despachou o seu assaltante com sete tiros, não fosse terem falhado os seis primeiros. Também um dos assaltantes de uma cabine das portagens de Auto-estrada 1, em Santarém, acabou morto por atropelamento, durante a perseguição movida pela GNR. Desculpem-me a insensibilidade, mas não senti a mínima pena.

No meio disto tudo, a trapalhada com o Banco Português de Negócios, a provar que as nacionalizações apenas são boas quando se trata de pôr os portugueses todos a pagar as vigarices dos banqueiros. Misterioso – ou talvez não – é o comportamento do socialista Constâncio, que governa o Banco de Portugal. Há anos que se acumulavam indícios do que realmente se passava, desde livros publicados a denúncias de auditores credíveis e a relatórios da equipa que investiga a Operação Furacão. Victor Constâncio, cuja competência todos salientam, curiosamente não viu nada, não ouviu nada, e, claro, nada fez – ou pouco fez. É muito pouco, tendo em atenção o muito que ele ganha. Mas, como é costume em Portugal – e a este nível – tudo vai dar em águas de bacalhau. Apostam?

E sabem uma coisa? Eu adivinhei que a D. Fátima Felgueiras ia ser condenada… mas com a pena suspensa.

Também não era preciso ser muito esperto para adivinhar isto, pois não?

10.01.2008

Do «Magalhães» à Wall Street

Qual a semelhança entre o computador Magalhães
(como invenção nacional) e a Wall Street? São ambos ficção.

Das pequenas e das grandes mentiras

Porque as escolas continuam a fechar um pouco por todo o interior do país, em Montalegre, por exemplo, há crianças que passaram a ter de viajar duas horas por dia para frequentarem o ensino básico. Há outras cujos pais admitem colocá-las em estabelecimentos de ensino espanhóis, por ficarem mais perto das suas residências.

Entretanto, a ministra da educação diz que o Inglês chegou a todas os alunos do primeiro ciclo. Contudo, na Escola do Ensino Básico n.º 2 de Massamá, no segundo ano, os pais foram informados que a escola não tinha condições para dar aquela disciplina. E outras existem nas mesmas condições.

O governo de Sócrates também fez a festa e deitou os foguetes relativamente aos novos passes sociais para estudantes. Contudo, há pais a queixarem-se de que, para solicitar o dito passe, se vêem obrigados a saltar de empresa de transportes para empresa de transportes, porque cada uma levanta o seu problema. E que, quanto à apregoada redução de 50%, as coisas não são bem assim, pois um passe que custava 38 € não passou para 19 €, como seria de esperar, mas apenas para 24 €.

Quanto ao famoso Magalhães, a coisa tem mais para contar. Ouçamos o que por aí se diz.

Os noticiários, em coro bem afinado, anunciaram o lançamento do «primeiro computador portátil português», o tal Magalhães. A RTP chegou mesmo a dizer, sem se engasgar, que se tratava de «um projecto português produzido em Portugal».

A SIC, para não ficar atrás, salientou que é «um produto desenvolvido por empresas nacionais e pela Intel» e que a «concepção é portuguesa e foi desenvolvida no âmbito do Plano Tecnológico».


Na realidade, só com muito boa vontade é que o que foi dito e escrito éverdadeiro. O projecto não teve origem em Portugal, já existe desde 2006 e é da responsabilidade da Intel. Chama-se Classmate PC, e é um produto de baixo custo, destinado ao Terceiro Mundo, e já é vendido há muito tempo através da Amazon.


As notícias, no entanto, foram cuidadosamente feitas de forma a dar ideia que o Magalhães é algo de completamente novo e com origem em Portugal. Não é verdade. Na imprensa escrita, salvou-se, que se tenha dado conta, a notícia do Portugal Diário, que disse: «Tirando o nome, o logótipo e a capa exterior, tudo o resto é idêntico ao produto que a Intel tem estado a vender em várias partes do mundo desde 2006. Aliás, esta é já a segunda versão do produto».

Pelos vistos, o jornalista Filipe Caetano, autor da notícia, foi o único a fazer um trabalhinho de investigação, em vez de reproduzir o comunicado de imprensa do Governo.

Para a Intel, este é um negócio da China, pouco se lhe dando que conste por aí que o Magalhães é um produto do bestunto nacional. O que lhe interessa é despachar o material que tinha destinado aos países em desenvolvimento, o que nem deixa de ser o nosso caso. E a JP Sá Couto tem assim, sem concurso, todo o mercado nacional do primeiro ciclo. Tudo se justifica em nome de um número de propaganda políticaterceiro-mundista. Mas é assim que Sócrates tem governado o país

Entretanto, o capitalismo agoniza. Enredado nas suas próprias teias, devorado por dentro pela lógica predadora que lhe está nos genes, procura transferir para os trabalhadores do mundo inteiro a responsabilidade pelo pagamento da factura astronómica que a sua insaciável sede produziu. A solução que o governo norte-americano – e alguns governos europeus – encontram, é pôr os contribuintes a pagar a compra de bancos falidos, através da sua nacionalização.

Porque não os nacionalizaram antes, quando estavam saudáveis, de forma a evitar a actual situação e a canalizar os lucros para o bem-estar e o desenvolvimento dos respectivos países? Que culpa tem o cidadão comum dos desvarios de banqueiros gangsters e dos políticos que lhes dão apoio e cobertura? Quem mexe os cordelinhos dos sistemas financeiros? Quem, em última análise, é responsável pelo colapso financeiro?

É tempo de pensar que a ruína da Wall Street e de tudo o que ela representa, cria a oportunidade para uma outra forma de pensar a economia, para um outro sistema financeiro, sob o controle público e fiscalizado por responsáveis eleitos. O neoliberalismo agoniza. Entre os lençóis da sua enorme mentira.

Que morra depressa e que o enterrem bem fundo.

9.15.2008

Intermezzo V



Caminhos

Vagarosamente,
como se levasse uma lua em cada passo,
vou deixando palavras pelas bermas,
vestígios de silêncios inviolados.
Talvez um dia passes por aqui
e percebas, na sombra de uma acácia,
o segredo dos caminhos que não soube,
no tempo dos sorrisos
,
decifrar-te.

6.22.2008

Porreiro, pá!

« Agora estou a lembrar-me. Tu és o gajo que muitas vezes me mandava ir trabalhar!»


Grande poeta é o povo...

Começo com a tradução (muito) livre de três poemas famosos. O primeiro é de Maikovsky, famoso poeta russo. Diz assim:

Na primeira noite eles aproximam-se
e colhem uma flor do nosso jardim.
E não dizemos nada.

Na segunda noite, já não se escondem,
pisam as flores, matam o cão,
e não dizemos nada.

Até que um dia, o mais frágil deles
entra sozinho em nossa casa, rouba-nos a lua e,
conhecendo o nosso medo, arranca-nos a voz da garganta.

E porque não dissemos nada, já não podemos dizer nada.

O outro, é de Bertold Brecht:

Primeiro, levaram os negros,
mas eu não me importei com isso. Eu não sou negro

Em seguida, levaram alguns operários,
mas não me importei com isso.
Eu também não era operário.

Depois, levaram os miseráveis,
mas eu não me importei com isso,
porque eu não sou miserável.

Depois, agarraram uns desempregados,
mas como tenho o meu emprego,
também não me importei.

Agora, vêm levar-me. Mas já é tarde.
Como eu não me importei com ninguém,
ninguém se importou comigo.

Outro poema, com a mesma raiz, do poeta Martin Niemuller:

Um dia, vieram e levaram o meu vizinho, que era judeu.
Como não sou judeu, não me incomodei.

No segundo dia, vieram e levaram o meu vizinho, que era comunista.
Como não sou comunista, não me incomodei.

No dia seguinte, vieram e levaram um outro vizinho, que era católico.
Como não sou católico, não me incomodei.

No quarto dia vieram e levaram-me.
Mas já não havia mais ninguém para reclamar.

A todos estes poemas, com a mesma matriz e a mesma denúncia, há que juntar um outro poema, de poeta desconhecido (grande poeta é o povo!) que por aí anda a circular.

Sócrates chegou e atacou os farmacêuticos.
Como não sou farmacêutico, não disse nada.

Depois, atacou os magistrados.
Também não disse nada, porque não sou magistrado.

A seguir, atirou-se aos funcionários públicos.
Congelou carreiras e roeu-lhe os magros ordenados.
Não quis saber. Eu não era funcionário público.

Depois, virou-se para os polícias, para os militares e,
com especial fúria, contra os professores.
E nem os padres escaparam.
Também nada disse. Era com eles, não comigo.

Aumentou os impostos, a insegurança nas ruas e nas escolas,
mas não se esqueceu de introduzir seringas nas prisões,
enquanto aumentava os medicamentos e reduzia as reformas.
E eu calado que nem um rato, pois ia-me safando.

Sem se deter, fechou escolas, urgências e maternidades.
Mas como eu não tenho filhos, não estou doente,
não engravidei ninguém, nem estou grávido, assobiei para o lado.

Nem com os aumentos de impostos, as falsas licenciaturas,
os diplomas passados ao domingo na UNI, e outras pulhices, eu me ralei.
Não era nada comigo, quem puder, que se desenrasque.

Quando vi o país a transformar-se numa enorme favela,
com milhões de pobres por aí e meninos a roubar para comer, virei a cara.
Fingi não ver. Afinal, ainda tinha o meu telemóvel.

Hoje, Sócrates bateu à minha porta com a Código de Trabalho socialista,
e atirou-me para o desemprego.

Já gritei, mas ninguém me ouviu.

Até parece que a coisa só me toca a mim!

Apetece dizer a quem é como o poema retrata: «Porreiro, pá! Olha, abrisses os olhos mais cedo. Tivesses sido decente e solidário, em vez de um crápula egoísta».

Mas este «porreiro, pá!» leva-me para outra conversa. O chumbo do Tratado de Lisboa pelo povo irlandês, graças a quem a Europa foi salva (até ver) das grilhetas que lhe queriam impor. Na verdade, no referendo realizado dia 12 Junho, a maioria do povo celta rejeitou este arremedo de constituição europeia, que em outra versão já fora rejeitado pelos povos francês e holandês.

Aliás, como disse – e bem – Alberto João Jardim, que pode ser rude e grosso, mas de parvo não tem nada, o Tratado de Lisboa só não foi chumbado em mais países porque, temendo isso mesmo, os governos europeus preferiram aprová-lo nos seus parlamentos, onde tinham a garantia de sucesso. Grandes democratas.


Recordo que, em Portugal, o governo Sócrates deu o dito por não dito, e recusou-se a efectuar um referendo popular, precisamente com medo dos seus resultados. Nos demais países europeus, excepto a Irlanda, passou-se o mesmo: recusaram aos povos o direito de se pronunciarem contra um documento que transformaria o velho Continente num feudo do poder económico, ou seja, das políticas neo-liberais. Por isso – e até ver – porreiro, pá!

Falando em neo-liberalismo: há novidades do outro lado do Atlântico. Caladas,
ignoradas, verdadeiramente censuradas. Oiçam isto, escrito por Mark Whitney e publicado no site www.resistir.info, cuja leitura aconselho.

«Olhem à vossa volta. Por toda a parte vemos uma economia debilitada. Nos "bons tempos”, os consumidores fugiam das prateleiras da carne enlatada. Hoje em dia, as vendas de conservas subiram em flecha; as mercearias têm dificuldade em manter as prateleiras cheias. Toda a gente procura a maneira mais barata de alimentar a família. O Departamento do Trabalho garante que a inflação é de apenas 4%, mas todos sabemos que isso é uma treta. O preço dos alimentos está para além do imaginável. O pão branco subiu 13%, o bacon subiu 7% e a manteiga de amendoim mais de 9%. A inflação entrou em derrapagem e não se sabe onde vai parar. O dólar está quase ao nível do peso e os trabalhadores lutam para sobreviver. O que acontece é que há cada vez mais pessoas "no mais rico país do mundo" a sobreviver à custa da carne de porco enlatada. Isto diz tudo.

Em Santa Bárbara, os parques de estacionamento estão a ser transformados em dormitórios para que as famílias que perderam as suas casas no escândalo do subprime possam dormir nos seus carros sem serem incomodadas pela polícia. O mesmo acontece em Los Angeles, onde nasceram cidades de tendas nos terrenos dos caminhos-de-ferro para acomodar o número crescente de pessoas que perderam os seus empregos ou não têm hipótese de alugar um quarto com os seus salários ganhos na indústria ou nos serviços. Por todo o lado as pessoas sentem o cinto a apertar; é por isso que 9 em cada 10 americanos acham agora que o país caminha na direcção errada e é por isso que a confiança dos consumidores se encontra no ponto mais baixo desde a Grande Depressão. É este o grande triunfo da economia vudu do "gotejamento do mercado livre de Reagan; famílias completas a viverem dentro dos seus automóveis à espera que abra a loja de penhores.»


Agora sou eu que digo:

Porreiro, pá!

5.25.2008

Intermezzo IV


Oferenda

Quando o instante singular revela
o sentido da folha ou a minúcia do pólen,
há um espaço translúcido onde a palavra nasce
consonante e pura.

Escrevê-la,
é edificar a nuvem, gota a gota,
e da janela vê-la ir,
como se não fosse nossa
.

5.23.2008

A propósito de um cigarro


Quando os reis vão nus

O facto, só por si, não tem um significado por aí além, pois ninguém é perfeito, nem o senhor Pinto de Sousa, também conhecido por «engenheiro» José Sócrates. Por isso, ter sido apanhado em transgressão, violando a chamada Lei do Tabaco, que em boa hora criou – alguma coisa de meritório, enfim, saiu da sua cartola – bem podia ser levado à conta dos pecados menores, se bem que, para quem tanto apregoa o rigor, o bom carácter e outras virtudes que tais, tenha sido algo verdadeiramente muito feio.

Não que me espante, pois a ideia que tenho do sujeito que governa o país permite-me pensar que o acto transgressor não destoa no quadro da personalidade do dito cujo. Para mim, Sócrates está nos antípodas da imagem que tenta vender ao país, ou seja, é um rei que vai nuzinho de todo. Coisa que, segundo as sondagens, parece estar a ser constatada por um número cada vez maiores de portugueses.

Fumou, então, o seu cigarro, às escondidas (mas não o suficiente) e o gesto chegou à opinião pública. Que não sabia que estava a violar uma lei; que pedia perdão pelo facto; que ia – vejam lá bem! – deixar de fumar. E riu-se.

Se violar a lei – que seria o primeiro a não poder ignorar – já tinha sido mau, a emenda foi pior do que o soneto.

Não sabia? Depois da algazarra que toda que a lei suscitou? Bom… quando na rua já lhe chamavam mentiroso, o que lhe chamarão agora? Reles trampolineiro? Aldrabãozeco de trazer por casa?

Pede perdão? Então, quando se transgride uma lei basta pedir perdão? Se assim é, pois que se fechem todos os tribunais, esquadras da PSP e postos da GNR, tarefa que o Governo, aliás, parece já ter encetado. Pague mais é lá a multa e deixe-se de tretas, que é o que acontece a quem prevarica, conheça ou não as leis. Olhe! A sua ASAE explica-lhe como é.

Deixa de fumar? Ó senhor «engenheiro» Sócrates! Mas o senhor fumava? Eu pensava que era um grande atleta, capaz de correr meias maratonas (ou por lá perto) e não dispensar umas corridinhas em calções, nem que fosse na Rússia, em plena Praça Vermelha. Afinal, era só para a rapaziada pensar que estava a ser governada por um tipo bestial e sem vícios de qualquer natureza. Olha quem…

Faça-me um favor – e ao país: não deixe de fumar, pode ser? Fume muito, muitos maços por dia e, se possível, vários cigarros de cada vez. Aos três e aos quatro. Fume, satisfaça o vício, encha-se de nicotina e alcatrão, intoxique-se, envenene-se sem remédio. Se o fizer, estará a prestar, de facto – e pela primeira vez – um verdadeiro serviço a Portugal e aos portugueses.

A sério: de tudo isto, o que fica, então, não será a transgressão em si mesma, coisa que se resolvia com a multa, e pronto. Isto é: coisa que se resolvia com dignidade. Mas não: o que fica é o retrato do carácter defeituoso de Sócrates, capaz de recorrer à mentira grosseira (fartinho de saber que não podia fumar onde fumou estava ele…) para salvar a pele e, ainda por cima, não ter o senso do ridículo suficiente para ter evitado aquela de ir deixar de fumar. Como disse – e bem – Marcelo Rebelo de Sousa na RTP, afinal Sócrates não terá deixado de fumar pela única razão válida para o efeito, ou seja, porque o fumo faz mal à saúde, mas porque foi apanhado em falso. E isto, meus amigos, é estupidez chapada.

Mas deitemos esta beata fora e vamos a outras – às verdadeiras – malfeitorias do «engenheiro». Um dos boys de estimação do PS, o doutor Vítor Constâncio, promoveu, por mérito, um quadro do Banco de Portugal que está de licença sem vencimento (leia-se: a amanhar a vidinha noutro lado) há para aí uns oito anos. É a política do regabofe para a aristocracia reinante, a par da política de contenção para a plebe. Haja dinheiro para a boyada, que o resto logo se vê.

Entretanto, as idas a Cuba de centenas de portugueses, para serem operados às cataratas, estão a pôr os nervos em franja a certos sectores da nossa distinta sociedade. Pula o senhor Bastonário da Ordem dos Médicos. Uiva o senhor que diz representar os médicos oftalmologistas. Grasnam alguns senhores deputados nos seus poleiros na Assembleia da República. Murmura qualquer coisa incompreensível a balbuciante ministra da Saúde.

Parece que agora todos têm, afinal, solução para os milhares de portugueses que esperam por uma primeira consulta ou por uma operação que lhes devolva uma visão capaz – ou impeça a cegueira.

Mas onde andavam, nas últimas décadas, estas aves raras, estas hienas de jardim, estas rãzinhas de pântano? Se já havia soluções, porque não as aplicaram em tempo oportuno? Na ânsia de lutarem pelos seus privilégios – uns – ou esconderem a sua insensibilidade e incompetência – outros – não percebem suas excelências que apenas estão demonstrar ao país que o que sempre os animou não foram os interesses reais da população, mas outros desígnios nada confessáveis. Estão cegos de raiva, é o que é.

Depois disto, só os cegos de espírito é que não viram que interesses se movem à nossa volta, mesmo em áreas tão sensíveis como a Saúde e, dentro nela, numa das mais sensíveis e dramáticas vertentes: manter a luz dos olhos. E se já sabíamos que esta gente não tem alma, isso agora ficou provado. Ou por outra: também vimos estes reizinhos na sua repugnante nudez.

Mas ao mesmo tempo que o país se deixava cegar no meio da baforada de fumo que o senhor «engenheiro» expeliu, os combustíveis voltaram a aumentar. Agora, aumentam todos os dias – ou quase. Atrás disso, tudo aumentará. As petrolíferas, que também vêem aumentar fabulosamente os seus lucros, não sofrem nada com os aumentos. Pelo contrário: só arrecadam. O governo, idem, idem, aspas, aspas. Depois, note-se que o senhor presidente da Galp acompanhou o senhor «engenheiro» na sua viagem à Venezuela. São ovos do mesmo cesto. E, curiosamente, ficámos a saber, pela boca desse cavalheiro que administra a Galp, que a culpa da subida de preços – disse ele – é do «Mercado».

Assim sendo, daqui proponho que acabemos com essa coisa das eleições e dos governos, das constituições e dos parlamentos. O Mercado é que decide da nossa vida, e está tudo dito. Ora, como o Mercado é assim uma espécie de ser divino, que todos sabem que existe, mas ninguém viu, então está bem. Siga o baile, e haja muita fé… no tal Mercado.

Mas cá para mim, uns dia descobriremos que, disfarçados atrás do Mercado, também andam uma data de reizinhos a comer à grande e à francesa. Todos nus, também. Como veremos, no dia em que os agarrarmos pelas goelas.

Mas, para isso, é preciso ter testículos, que é coisa que vai faltando ao bom povo português…

5.03.2008

Sobre os donos dos homens


Eles
- do arroz, dos cereais e de outras «minas»...

Enquanto o arroz sobe, contribuindo para o alastrar a fome que por aí existe, o destaque não pode ir para a invasão de esquadras policiais por bandos de marginais. Realmente, por muito que esta lixeira se pareça, cada vez mais, com uma república das bananas, e por muito significativa do deboche a que chegámos sob o consulado do «engenheiro» Sócrates, esta novidade do assalto a esquadras policiais nada é comparado com a falcatrua monumental da «crise do arroz». Será, por isso, sobre o que ela significa, que falaremos hoje.

Então, de repente, os senhores que mandam na economia, que fazem e refazem as crises – e as gerem de acordo com as suas conveniências – (e daqui para diante designados por Eles), inventaram a questão do arroz. Em consequência, o seu preço disparou. Parece que, em Portugal, já subiu 16%.

Quem ganha? Os grandes produtores, os grandes armazenistas, os grandes distribuidores. E – é claro! – os governos, já que o IVA, mesmo mínimo, passa a produzir uma colecta maior.

Quem perde? Não vale a pena dizer. Todos sabemos quem perde.

Os mecanismos são sempre os mesmos. Eles começam por falar em quebras de produção, em diminuição drásticas das reservas estratégicas (coisas que o cidadão comum não sabe bem o que é – e, se souber, nunca poderá confirmar), lança-se o fantasma do racionamento, sugere-se o espectro da fome, e aí está o baile armado. Quando o produto escasseia, por um dia ou dois, nas prateleiras, o rastilho começa a arder. Em pânico, o consumidor procura precaver-se. Já não pensa no preço, mas em açambarcar. Paga o que pode e o que não pode, mesmo que, depois, o arroz crie bicho na prateleira da despensa. O arroz, esse é que nunca mais voltará ao preço antigo.


A «mina» do petróleo

Se pensarmos um pouco, perceberemos que o mesmo se passa com a chamada crise do petróleo e a respectiva escalada de preços. Porque é que o petróleo estava, há poucos anos, a 30 dólares (e já se dizia que estava caríssimo), e agora, que está a cento e muitos dólares, se desce uns cêntimos já se diz que ficou barato? Porque é, afinal, que o petróleo sobe?

Eu recordo algumas das razões por Eles apontadas:

- Ou é porque estamos na época dos furacões no Golfo do México;

- Ou é porque as reservas dos EUA estão abaixo do previsto;

- Ou é porque a Nigéria vive dias de instabilidade;

- Ou é porque a vaga de frio nos EUA levou a um aumento do consumo;

- Ou é porque a vaga de calor nos EUA levou a um aumento do consumo;

- Ou é pela crise no Médio Oriente;

- Ou é pelo aumento de procura nos países emergentes, como a China e a Índia;

- Ou é porque o Irão pode estar a construir um reactor nuclear;

Ou é porque a Coreia do Norte disparou um míssil terra-ar;

- Ou é porque os EUA ameaçam invadir outro país qualquer (produtor de petróleo, está bem de ver);

- Ou é porque houve mais uma ameaça terrorista (mesmo que anteriores nunca se tenham confirmado);

- Ou é porque há greve dos trabalhadores num determinado complexo extractivo;

- Ou é porque as reservas mundiais não são tão consideráveis como se julgava.

Enfim. Eles têm sempre uma justificação. Ou várias. Esgotadas todas elas, um dia dirão que é petróleo que tem vontade própria e que só aceita ser extraído se o preço do barril aumentar todos os dias. Mas a única, a verdadeira, aquela que nunca nos é dita, é esta: o preço do petróleo aumenta porque Eles querem. Eles – e não deus, nem o diabo, nem o clima, nem qualquer outro factor humano ou natural.

O petróleo aumenta porque isso é do interesse das grandes empresas petrolíferas e dos seus governos. Ponto final.

Voltando à questão do arroz e dos cereais

Eles não dizem que a produção agrícola mundial foi, em 2007, de 2,3 mil milhões de toneladas de cereais, ou seja, mais 4% do que no ano anterior. Nem que, se desde 1961, a produção mundial de cereais triplicou, a população apenas duplicou. Sendo assim, que razões existem para esta aparente escassez de cereais e para a sua vertiginosa subida de preço? Sem dúvida, que as gritantes desigualdades que assolam o planeta, tanto mais imorais quanto é certo que os povos das regiões que mais riqueza produzem acabam por ser, em regra, quem menos delas beneficiam. Mas também é certo que essas carências são cada vez mais acentuadas por uma coisa maquiavélica e nefanda que por aí anda há cerca de três décadas, e que dá pelo nome de globalização neoliberal. Ou seja: uma globalização feita por Eles e à medida d’Eles.

Então, o que está a acontecer é que bens essenciais ao desenvolvimento da sociedade humana (caso do petróleo) e ao seu bem-estar e sobrevivência (caso dos cereais e dos bens alimentícios, em geral) estão entregues ao sistema especulativo do quem-dá-mais, brincando-se, deste modo, com a vida – no sentido literal do termo – de milhões de seres humanos.


Biocombustíveis: a nova «mina»

Na verdade, o trigo e outros cereais, que deveriam servir para alimentar as pessoas, estão agora a ser vistos como fontes de produção de combustíveis – os chamados biocombustíveis – tendo em vista uma alternativa ao petróleo, já que, apesar das recentes descobertas de novas jazidas – as mais importantes das quais no Brasil – ele, o petróleo, não passa de um recurso finito.

Poderão alguns dizer que, sendo o petróleo um recurso natural não renovável, que fontes energéticas alternativas devem ser encontradas, no sentido de garantir que as bases civilizacionais existentes possam ser mantidas. De acordo. Mas já não estarei de acordo se me disserem que esses recursos, necessários para a sobrevivência, bem-estar e progresso de toda a humanidade, devem estar na posse de alguns (os tais Eles), e assim entregues à lógica do regateio, do quem-dá-mais… e por aqui me sirvo.

Em primeiro lugar, porque o planeta não é d’Eles, mas de todos o que o habitam; em segundo lugar, porque não são Eles, mas outros milhões de seres humanos, que produzem, extraem, transformam, contabilizam, transportam e distribuem esses bens.


Eles, a água e o ar

Ora, se esta lógica não se inverter, um dia destes teremos que Eles, como donos disto tudo – das riquezas naturais e dos meios de produção – farão com a água o que estão a fazer com petróleo e o arroz e outros cereais. Ou a pagamos ao preço que a sua gula infinita ditar, ou morreremos à sede.

(Aliás, esta experiência já foi encetada em vários países, sendo, neste preciso momento, um dos sonhos do Partido Socialista e da restante direita, recordando-se, a propósito, que Sócrates vem, desde os seus tempos de ministro do Ambiente, dando passos seguros nesse sentido, designadamente com a criação das empresas multimunicipais e a ideia de privatizar todos os serviços de captação e distribuição de água).


Por isso, cantava o Zeca que Eles comem tudo. Falta acrescentar que também bebem (ou querem beber) tudo.

E quando for possível controlar a própria atmosfera, Eles também quererão ser donos do ar. Então, nada faltará para serem nossos donos, tendo sobre nós direitos de vida e de morte.

Como, de certo modo, já têm.

4.16.2008


Motu continuo


Miriam, a que dançava entre véus de penumbra,
foi a primeira fome do meu corpo.

Intacta a guardo, violadora de todos os momentos,
prolongando os gestos e o sorriso navegável
nas vigílias mais antigas que recordo.
Demorávamos o olhar nos olhos um do outro,
até que o tempo nos vencesse
e invocasse a posse desse instante.

Então, de lumes sempre novos se fazia a vida,
mas só porque eu ainda não sabia que no amor
nada se perde, nada se cria,
tudo se repete.

4.12.2008


Viagem

O passado é o passado,
mas no silêncio insone o manipulo.
Assim - ou doutro modo - aqui cheguei.
A este cume, a esta sombra alada
que possui o tempo e o desfaz
- e se desfaz - em fumo.

Aqui cheguei. A este tudo.
A este nada.

4.09.2008

Provocações


Soprar a vela e ir embora


Há anos que remo contra a maré. Com braços fracos e remos feitos de tábuas, que é o que se arranja. Mas remo com a certeza da minha razão. À minha frente, no mastro deste barco imaginário, uma vela, uma simples vela, bruxuleia dentro de uma lanterna tosca. É fraca a luz, mas também é o que tenho. Vale, no entanto, por um farol salvador, já que significa, na minha (talvez quixotesca) ideia, a luz da verdade e da justiça. Um rumo. Um rumo para uma sociedade à deriva, atolada em escolhos de iniquidade, canalhice e falsidades. Um rumo que nos leve a outro sítio, a outro tempo. Um e outro limpos da pulhice que nos infecta.

Neste remar (é bom que se diga), nada procuro para mim, mas para todos. Para quase todos, já que no meu sonho não têm lugar os poderosos parasitas que nos sugam e nos definham. Viveremos bem sem eles – que nem são muitos – e que nada fazem de útil. Nada dão. Pelo contrário, apenas devoram o que outros produzem.

Há dias, contudo, em que me apetece baixar os braços. E, também, calar a voz que espanta o nevoeiro que enche de opacidade e perigos este navegar quase sem esperança. Porque há anos que remo e vejo a história repetir-se sem que nada de novo e decente aconteça. Às vezes, lá se vislumbra uma terra iluminada por um sol mais puro e mais quente, uma réstia da felicidade desejada – e merecida – mas logo as trevas caem sobre esse continente encantado, desfazendo o sonho. A última vez que isso sucedeu foi há 34 anos, que se cumprem este mês, quando for o dia 25.

E lá voltamos à faina. As mãos sangram, o suor alaga, o sal greta, o sol curte a pele envelhecida por maus-tratos e marcada por cicatrizes ancestrais. E o barco nunca enche, nem a faina dá para o sustento. E eu remo. E todos – quase todos – remamos um remar sem fim e sem proveito. Andamos às voltas nesse mar de enganos e perdição. De baixios assassinos e impiedosos.

«Não remo mais», prometo a mim mesmo, quando os músculos da alma me doem mais do que os do corpo. No entanto, não consigo largar as mãos dos remos, que já se transformaram num prolongamento dos meus braços. Também já não sei onde acabo eu e começa o barco, nem onde acaba o barco e começa o mar. E remo sempre, vigiando a luz que, no mastro tosco, tremeluz e, por milagre, resiste a todas as borrascas.

Fecho os olhos e remo. E oiço o mesmo marulhar ameaçador, como se os bojos de navios fantasmas roçassem perigosamente o meu frágil batel. Por cansaço ou cobardia, chego a desejar, nos piores momentos, que um deles me abalroe e acabe de vez com este frenesim. Mas a luz, essa pequena luz que resiste a ventanias e vagalhões, parece animar-se com o meu desânimo. E contagia-me. E recupera-me para a tarefa de remar, remar, remar sempre, como se também eu fosse o vento ou o mar. E que só são vento e mar porque não param, não se esgotam, não desistem.

Não! Mesmo sem esperança, remar contra a maré – esta maré – será sempre o meu destino.

De noite, olho as estrelas que pontilham o céu, mundos distantes onde alguns, em vez disso, vêem – ou dizem ver – sinas e futuros. Eu vejo o que já vi ontem, ou há mil anos e – desconfio – verei amanhã. A repetição de tudo. O mesmo filme. As mesmas ilusões. Os mesmos desenganos. As mesmas afrontas.

Sob a luz débil dessas estrelas eu vejo, à minha volta, neste mar sinistro e negro, os destroços da Lisnave e da Siderurgia, da Mundet e da Indelma, e flutuando, ainda brancas e legíveis, as cartas de despedimento de mais 800 portugueses que deram parte das suas vidas aos tubarões da Delphi e da Izaki Saltano.

Mais além, baloiçando numa tábua doirada, os convites aos ex-ministros Ferreira do Amaral e Jorge Coelho, para as presidências da Lusoponte e da Mota-Engil. Noutro sítio, onde deveria morar a decência e onde alguns (ainda) apregoam virtudes e atacam a repugnância dos compadres safardanas, que se deleitam num repasto de boys e girls, ironicamente um novo boy, acabadinho de chegar, ocupa o seu triste poleiro. Choro por essa rendição.

Alguns corvos, vindos sabe-se lá de onde, casquinam trocistas, porque, mesmo ao lado, desfazem-se as certidões de óbito de dezenas de portugueses que, empurrados de hospital para hospital (ou às portas das urgências encerradas) morreram como cães abandonados.

Está sujo este mar. É quase um pântano, tal a quantidade e natureza dos detritos que nele se putrefazem. Vejo recortes de jornais de há 30 anos, de há 20 anos, de há 10 anos, de ontem, de hoje e, numa estranha premonição, de amanhã, onde as notícias são sempre as mesmas: mais despedimentos, mais miséria, pior saúde, pior educação, mais insegurança, mais corrupção, mais desigualdades, pior justiça, um Portugal cada vez mais atrasado e mais pequeno.

Vejo as folhas de rendimentos dos políticos, sujas da infâmia que as escreveu, já com as respectivas reformas anexadas, boiando, nojentas, ao lado das declarações de rendimentos de milhões de reformados e pensionistas, pálidas e definhadas, carregadas com a lista das suas dívidas na farmácia e na pobre mercearia que sobrevive às grandes superfícies devoradoras. Vejo os salários mínimos e os salários em atraso misturados com altos rendimentos, dividendos e outras falcatruas.

Soprar a vela e ir embora. A tentação é essa. Mas a luz da vela, triste e trémula, tem a força e o calor de um sol. Não posso largar os remos nem sair do barco. Nem calar-me. Ela é o meu exemplo e o meu guia.

Por isso aqui estou. Talvez exausto. Talvez em carne viva. Talvez febril. Talvez inútil e perdido sem remédio. Talvez…

Paciência. Mas enquanto este mar for o que é, eu não deixarei de ser quem sou.

2.25.2008

Intermezzo III


Muito...


É tão inútil abraçar o mundo, e possuí-lo.
É tão pouco ter tudo.
Muito, é o mundo possuir-nos;
a terra penetrada pelo nosso corpo,
o abraço do chão à nossa volta,
sementes.

2.23.2008

Albergue de parasitas

«Sobre a nudez forte da verdade, o manto diáfano da fantasia»,
ou a entrevista de Sócrates aos domesticados jornalistas da SIC


Sim, senhor
primeiro-ministro…


«A entrevista da SIC e do Expresso a Sócrates não foi uma entrevista, foi uma sessão de propaganda.» A frase é de Vasco Pulido Valente, na sua crónica publicada no jornal Público, de 19 de Fevereiro.

Castanheira Barros, que é o advogado que não desiste de lutar contra a co-incineração no Outão – e no país – enviou-me, por seu turno, esta observação: «Nunca imaginei ser possível pôr dois passarinhos a entrevistar um papagaio. Só mesmo a televisão de Carnaxide seria capaz de uma tal proeza».

Outra opinião: «A entrevista televisionada de 18 de Fevereiro, ao primeiro-ministro José Sócrates, pode ser chamada de conivência jornalística. Neste jogo de cartas marcadas, os que fazem figura de jornalistas estão ali só para fingirem que são isentos. Mas o seu verdadeiro papel é dar as "deixas" e evitar cuidadosamente perguntas que ponham em causa a política neoliberal do governo Sócrates. A técnica destes senhores é cingirem-se aos temas de conjuntura, esquecer os de estrutura e respingar uns salpicos de pequena política. Triste jornalismo este».

Esta visão da cordial conversa foi publicada no site http://www.resistir.info/. Juntas, as três opiniões que transcrevi, completam-se e resumem exactamente o que penso da referida entrevista. Confesso, aliás, que não esperava outra coisa: de Sócrates, o elogio das suas políticas; dos jornalistas, o cuidado de não confrontar o «engenheiro» com a triste realidade social e económica de um país, onde cada vez mais portugueses, quando metem a mão no bolso, só tiram de lá os cinco dedos, como dizia o célebre humorista brasileiro, Apparício Torelli.

Bem pagos – e com emprego certo – os senhores jornalistas não estavam interessados em desagradar ao chefe, coisa perigosa nos tempos que correm. Na verdade, emprego e remuneração dependem sempre – e cada vez mais – de se estar (ou não) nas boas graças de quem manda. E quem manda, por agora, todos sabem quem é. Dobrar a espinha, refrear a língua, ser-se serviçal, faz bem à estabilidade laboral e à conta bancária. (Soube-se, depois disso, que a mulher de um desses jornalistas, irmão da actual presidente da C. M. de Lisboa, assuniu funções de consultora externa do Gabinete de Comunicação da nova ministra da Saúde, Ana Jorge).

A contabilidade do «engenheiro»
só tem somas


Sócrates só contabiliza os postos de trabalho criados.
Os perdidos, nas contas do «engenheiro», não entram em contas.


Disse o «engenheiro» que vai conseguir criar os tais 150 mil novos postos de trabalho, pois já conseguiu criar 94 mil. E ninguém lhe perguntou quantos já se perderam, uma vez que o número de desempregados, em finais de 2007, era superior ao registado em finais de 2006, sendo, actualmente, o número mais elevado dos últimos 21 anos. A mistificação, própria para iludir atrasados mentais, passou impune.

Jornalista que se prezasse, que honrasse a sua profissão, teria dito ao chefe dos socialistas e do governo que, para lá da manipulação dos números, há uma realidade vivida por centenas de milhares de portugueses que nem das estatísticas fazem parte.
Era forçoso ter lembrado ao distinto entrevistado que o INE só considera desempregados os que não têm emprego ou qualquer ocupação remunerada, e que, de algum modo, procuram obter um emprego. Os “biscateiros”, ou os desempregados que já desistiram de procurar emprego não contam, pelo que o desemprego real atinge muito mais de meio milhão de pessoas. A somar a isto, há milhares de portugueses, sobretudo jovens, em permanente subemprego, com situações precárias, saltando de call center para call center, sujeitando-se a situações verdadeiramente dramáticas em termos de retribuição e perspectiva de futuro.

Como (ou pior que) nos tempos
de Salazar e Caetano



Se comparar Sócrates com Salazar for ofensivo, não o será, certamente,
para o actual presidente do conselho...


Depois, há os milhares de portugueses que já desistiram de Portugal, o que seria, se vergonha fosse palavra – e conceito – que fizesse parte do património do PS e do seu capo, uma situação incontornável quando se fala de desemprego, recuperação económica e desenvolvimento. Quantos milhares de novos emigrantes já se espalharam por essa mundo fora, desde que Sócrates é senhor presidente do conselho de ministros? Só em Espanha e Inglaterra contam-se por 200 mil, e sempre a subir.

Isto é: os jornalistas não tiveram a coragem de confrontar Sócrates com as consequências reais das suas políticas, tanto na questão do desemprego, como nas outras áreas abordadas, com a Saúde e a Educação à cabeça. Em vez disso, foi um acabrunhante «sim, senhor primeiro-ministro», reverencial e calculista, não fosse o diabo tecê-las. Eles sabem bem do que Sócrates é capaz, e como certos jornalistas já sentiram na pele a chicotada das irritações do chefe dos socialistas. (Que me desculpem os socialistas a sério).

Mas estamos conversados a este respeito. Afinal de contas, as coisas não mudaram assim tanto desde os velhos tempos de Salazar e Caetano.

Apartamentos de luxo para uns,
penhoras e despejos para outros




Carvalho da Silva no Congresso da CGTP, desmontou as políticas assassinas do PS. A comunicação social esforçou-se por omitir as críticas mais contundentes

Uns dias antes, um homem que não se conforma com a situação miserável a que o país chegou, perguntava. «Como é que se percebe que, em 2006, em Portugal, 100 famílias tenham visto crescer os seus rendimentos em 36%, quando a esmagadora maioria da população teve os seus vencimentos estagnados?». A pergunta, feito por Carvalho da Silva, na apresentação de um estudo sobre as desigualdades elaborado pela CGTP, revela que, no outro lado da moeda, existem mais de 300 mil famílias sem rendimentos. Face a isto, quem se poderá espantar que Portugal seja, no âmbito da UE, o país onde o fosse entre ricos e pobres mais largo é, e, ainda por cima, está em alargamento constante?

A ilustrar o que acabei de dizer, dou-vos um belo e sugestivo exemplo. No campo Grande, foi construído, e está em fase de comercialização, um condomínio de luxo. Os preços começam em 1 milhão de euros nos pisos inferiores, vão subindo conforme a altura, e terminam em 4,5 milhões de euros, nos pisos superiores, ou seja, oscilam entre os 200 mil e os 900 mil contos. Uma ninharia. Apenas quero esclarecer que os pisos superiores (os tais de 900 mil contos), já foram todos vendidos.

Entretanto, milhares de portugueses, especialmente jovens casais, perdem as suas casas, pois o desemprego ou a degradação dos seus salários retiram-lhes o direito a uma habitação digna e, inclusivamente, à sua própria subsistência, tal como a Constituição da República determina e a Declaração Universal dos Direitos Humanos consagra. Em Portugal, pelo que se vê, tanto a Constituição da República, com a Declaração Universal dos Direitos Humanos, só têm aplicação prática em 10% da população.



Viva a República!
Viva a Democracia !
(Albergues de parasitas)

Esta teria sido outra boa questão para colocar ao senhor presidente do conselho. Mas é próprio dos passaritos reverenciarem o palrar dos papagaios.

Mas já que estamos a falar em desemprego e baixos salários, termino, para desanuviar, com uma interessante lista que ilustra precisamente o contrário. Trata-se uma breve recolha de exemplos onde se verifica que os senhores políticos têm sempre uma dourada linha de fuga após os seus gloriosos tempos de governação. Ou seja: que políticos e senhores da alta finança estabeleceram um eficaz vaivém de cadeirões e gabinetes, um toma-lá-dá-cá de convenientes conivências, de tal modo que ser-se ministro escancara as portas dos conselhos de administração de empresas públicas ou privadas, e ser-se gestor é meio caminho andado para se chegar a ministro.

Vamos, tão, à tal lista, onde podemos constatar como nomes célebres da política estão – ou estiveram – em altos cargos da gestão empresarial.

- Fernando Nogueira: de Ministro da Presidência, Justiça e Defesa, chegou a presidente do BCP Angola;

- José de Oliveira e Costa: de Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, saltou para presidente do Banco Português de Negócios (BPN);

- Rui Machete: de Ministro dos Assuntos Sociais, foi a presidente do Conselho Superior do BPN e presidente do Conselho Executivo da FLAD

- Armando Vara: ministro-adjunto do primeiro-ministro (demitido por indecente e má figura), passa a director adjunto da CGD, depois a administrador e, finalmente, a vice-presidente do BCP;
- Paulo Teixeira Pinto: de Secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros, a presidente do BCP. (Depois de 3 anos de "trabalho", sai com 10 milhões de indemnização e mais 35.000 euros x 15 meses por ano, até à hora da sua morte…);

- António Vitorino: de Ministro da Presidência e da Defesa vai a vice-presidente da PT Internacional e a presidente da Assembleia-Geral do Santander Totta;

- Celeste Cardona: de Ministra da Justiça passou a vogal do CA da CGD;

- José Silveira Godinho: de Secretário de Estado das Finanças, a administrador do BES;- João de Deus Pinheiro: de Ministro da Educação e Negócios Estrangeiros, a vogal do CA do Banco Privado Português;

- Elias da Costa: de Secretário de Estado da Construção e Habitação, a vogal do CA do BES;- Ferreira do Amaral: de Ministro das Obras Públicas (que entregou todas as pontes a jusante de Vila Franca de Xira à Lusoponte) a presidente… precisamente da Lusoponte;


- Mira Amaral: de Ministro da Economia a administrador da CGD, de onde é reformado, após 18 meses de exaustivo trabalho, com uma reforma de 3.600 contos mensais.


E, caros amigos, por falta de espaço e tempo, fiquemo-nos por aqui, que para exemplo já basta. Mas são estes – ou outros parecidos – que compram os tais apartamentos de 900 mil contos.


Entretanto, viva a República!

E – principalmente – viva a Democracia nacional-socialista, que é, actualmente, o maior albergue de parasitas de que há memória neste desgraçado país.

2.17.2008

Dili e Lisboa - o mesmo fado

O povo timorense merecia mais e melhor que Rambos reinadios,
Hortas e Xananas comprados por um prato de lentilhas. Mas há o petróleo, não é?


Do Rambo de Timor,
ao caladinho de S. Bento


Não consigo ouvir a palavra Timor sem que, cá dentro – no sítio onde dizem que o coração, ao assinalar as emoções, muda de ritmo e, por vezes, parece até doer ao cavalgar dores ou alegrias – algo se manifeste à revelia da minha vontade.

A verdade é que passei dois anos da minha juventude naquela terra de muitas e variadas gentes, onde timorenses, europeus (quase todos ali presentes em chamada missão de soberania), chineses (que dominavam todo o comércio), africanos, indianos e, por fim, a mistura de todas estas raças, conviviam num clima de aparente tolerância e relativa afectividade. É claro que os timorenses, na base da pirâmide, acabavam por ser, na sua própria terra, quem nenhuma voz activa tinha na vida social e económica (a vida política, nesse tempo, era coisa ferreamente reservada aos representantes do Estado) limitando-se, na sua maioria, a sobrevier praticamente à custa de uma agricultura precária, já que a pesca era ainda mais frágil e incipiente.

Depois, tínhamos os donos da terra: o clã do velho Carrascalão (que para ali fora deportado nos primórdios do fascismo, e que tomara tudo o que a vista alcançara). A filharada pai Carrascalão vivia aparte de tudo, contra tudo, acima de tudo. Não se sentiam europeus, porque nasceram mestiços. Também não sentiam timorenses, porque prezavam o seu sangue branco e o seu estatuto de amos e senhores. Detestavam a tropa, não pelo seu peso colonial, mas porque lhes roubavam o mando a que julgavam ter direito. Enfim, eram a face mais conflituosa – e preconceituosa – da sociedade daquele tempo.

Seja como for, os dois anos que passei naquela metade de ilha foram uma experiência extraordinária, não só pela relação com uma realidade colonial, que muito me ensinou, como também pela ligação aos diversos extractos sociais, onde as clivagens me pareciam absurdamente esbatidas. Depois, o mar e os seus corais, as montanhas e a floresta, o sol radioso, as acácias vermelhas, as chuvas densas e fortíssimas da monção – mais certas e infalíveis que um relógio suíço – ou o perfume tropical de uma terra quase virgem, deixaram-me marcas que jamais perderei. Nem quero.
Reinado quis reinar demais...
O major Reinado era um instrumento dos norte-americanos,
australianos e dos seus aliados em Timor, Xanana e Ramos-Horta.
«Reinou» à vontade, até ter decidido «reinar» demais...

Mas vêm estas divagações a propósito do atentado perpetrado pelo major Alfredo Reinado, um rapazola a soldo dos interesses ocidentais, interesses que têm nos australianos e norte-americanos os seus principais representantes.

Na verdade, Alfredo Reinado reinou à fartazana com a tolerância – nem sei se deva dizer: com o apoio – de Xanana Gusmão, Ramos Horta e toda a tropa aliada que ali está para salvaguardar a possibilidade de Timor ser, de facto, dos timorenses. Alfredo Reinado saiu da prisão quando quis, como quis, com quem quis, com as armas que quis e, posteriormente, instalou-se, com os seus seguidores, onde quis. Deu as entrevistas que quis, movimentou-se como e quando quis e, se não foi recapturado, meus amigos, foi, apenas, porque ninguém… quis. O homem dava jeito.

Xanana e Ramos Horta, há muito rendidos aos ditames das radiosas democracias ocidentais – e, por isso, um saiu da prisão de Jacarta, e o outro foi prémio Nobel (e ambos presidentes da república e primeiros-ministros) – acabaram por ser vítimas do monstro que criaram e alimentaram. O que falta saber é se Reinado, de costas quentes pelos amigos ocidentais, se precipitou na execução do golpe, ou se alguém, em Camberra ou Washington, acreditou demais na capacidade do pequeno Rambo.
Ramos-Horta pensava que bastava ter as costas quentes pelos seus amigos norte-americanos e australianos, para que a criatura que ajudou a criar (Reinado) não se voltasse contra um dos criadores.

O que é certo, é que Xanana, Ramos Horta e os seus aliados Carrascalões e Cia., terão começado a perceber que não podiam governar Timor sem estabelecer laços com as forças políticas que, de facto, representam o povo timorense, entre as quais se destaca a Fretilin, onde Xanana nasceu como político e patriota e que, depois dos compromissos que o devolveram á liberdade, renegou sem pudor, para não dizer que traiu miseravelmente.

E foi assim que Timor, pequeno e pobre (mas com razoáveis jazidas petrolíferas, que a Fretilin quis fazer reverter a favor do povo timorense, e por isso, foi apeada pela santa aliança pró-ocidental) se tornou palco de mais um acto da longa tragédia política que a rapaziada dos dólares ali tem em cartaz.

Reinado morreu, veremos que é o próximo Rambo. Ou totó.

Viajemos, agora, até ao nosso país, onde a tragédia em cena assume, por vezes, aspectos de comédia burlesca e rasca.
De fala-barato, a fala pouco...

Sócrates, de intenso fala-barato, passou, recentemente,
para um curioso estado de fala-pouco.

Soubemos que o desemprego atingiu o seu mais alto nível dos últimos 21 anos. O «engenheiro» Sócrates, porém, calou-se. A fantasia dos 150 mil novos empregos foi chão que deu uvas. Ou ele quereria dizer: menos 150 mil empregos?

Soubemos que Portugal precisaria de 60 anos, ao ritmo actual das políticas implementadas pelos socialistas, para alcançar a escolaridade média da União Europeia. O «engenheiro» Sócrates não solta um pio sobre esta triste realidade.

Soubemos que o governo socialista quer acabar com o Conservatório Nacional.
A denúncia circula por aí nestes termos:
O vergonhoso ataque ao Conservatório Nacional
«Disto, já se suspeitava há algum tempo, mas agora é público: o Ministério da Educação quer mesmo acabar com a Escola de Música do Conservatório Nacional. Por isso, se o deixarem, uma instituição com quase 180 anos, que já nos deu Maria João Pires, Bernardo Sassetti e tantos outros, tem os dias contados. Já não se trata de destruí-la devagarinho, como até aqui – deixando-a cair aos bocados, como o órgão do século XVIII a deteriorar-se, ou o Salão Nobre quase a ruir sobre a plateia. Desta vez, a sinistra ministra quer fazer o serviço de uma só vez. Com três golpes tão rápidos e certeiros que, espera ela, ninguém vai sequer perceber o que se passa.

O primeiro golpe é acabar com os Cursos de Iniciação. Crianças dos 6 aos 9 anos de idade vão deixar de ter acesso às 6 horas semanais de instrumento, orquestra, formação musical, coro e expressão dramática hoje ministradas pelo Conservatório.

O segundo golpe é matar o Ensino Articulado. Adolescentes com talento musical já não poderão conciliar a formação artística de alto nível do Conservatório com a frequência às outras matérias da sua escola habitual. Quem quiser ser músico, a partir de agora, tem que decidir profissionalizar-se aos 10 anos de idade – sem poder voltar atrás.

Por fim, o golpe de misericórdia é dar cabo do Ensino Supletivo – o regime que tem formado, ao longo dos anos, a maior parte dos músicos portugueses. De Alfredo Keil a Pedro Abrunhosa, passando por centenas e centenas de outros
».

Quanto a isto, Sócrates cala-se que nem um rato.


Outras notícias dizem-nos que quase duas mil famílias tiveram de pedir auxílio para não perderem as casas. As dívidas são o novo flagelo da sociedade moderna portuguesa. A crise perpétua em que vivemos, agravada pela subida das taxas de juro e pelo desemprego, está a deixar cada vez mais famílias em situação desesperada.


Associado a isto, está o crescimento do crédito malparado, que mantém a tendência iniciada no final de 2006. De acordo com dados do Boletim Estatístico do Banco de Portugal, o crédito de cobrança duvidosa atingiu, no final de Novembro, os 2.367 milhões de euros, o que representa um crescimento de 129 milhões, face ao mês anterior, e de 209 milhões, face ao período homólogo.


E Sócrates sem tugir nem mugir.


Mas, às vezes, Sócrates ainda fala. No dia 10 de Janeiro, garantia que iria ser construída uma nova ponte sobre o Tejo, aliás um projecto que já não é novo e, por acaso, bastante consensual. Porém, dias depois, o impagável ministro Mário Lino vem informar que, afinal, mandou o LNEC estudar outras alternativas. O que era certo num dia, passou a incerto noutro.


E Sócrates, que durante meses nunca se calava, voltou a meter a viola no saco.


O director da Polícia Judiciária, que é amigo íntimo do ministro da Administração Interna, matou a investigação do caso Maddie. Nada de espantar. Desde cedo se percebeu que o governo inglês, da mesma família política do governo português, apostava forte na protecção dos Macann, cujas ligações ao Partido Trabalhista são do conhecimento público. Tarde ou cedo, aqui chegaríamos. Parece que já chegámos.


E Sócrates nada tem a dizer.


Aparentemente, eclipsou-se a verve do senhor «engenheiro» de (pelos vistos) obras feitas… mas pelos outros.


Mas o que interessa aos portugueses a vida nacional? Na verdade, e a julgar pelos noticiários, o que realmente é importante para nós – e para o mundo – é o folclore milionário das escolhas dos candidatos às eleições presidências norte-americanas.


Pelo que somos forçados a engolir diariamente – e pelo que comemos por tabela em resultado da política do império – bem deveríamos exigir o direito de também votarmos naquela palhaçada.


Não acham?