Deixem-me, para começar, fazer uma referência ao episódio que envolveu Hugo Chávez, Zapatero e uma figura de opereta, pertencente a uma espécie em vias de extinção, nada mais, nada menos que Sua Majestade, el-rei de Espanha, D. Juan Carlos (e mais não sei quantos sobrenomes e apelidos).
Com a frontalidade que se lhe reconhece, Chávez disse que o antecessor de Zapatero, José Maria Aznar, era fascista. Zapatero saltou em defesa de Aznar, pois, como é natural, sempre se sentirá mais próximo, em termos ideológicos, de Aznar do que de Chávez, já que este é um socialista a sério – isto é: põe a economia e os recursos da Venezuela o país ao serviço do povo e do país – e Zapatero é, na melhor das hipóteses, um social-democrata a puxar para o neo-liberal, ou seja, é um homem que considera que o povo é que deve estar ao serviço da economia, desde que a economia e os recursos do país pertençam aos detentores do poder económico. E, se assim não pensasse, também não seria primeiro-ministro espanhol nem, sequer, secretário-geral do PSOE.
A inútil majestade
No meio da troca de palavras, resolveu el-rei perguntar a Chávez (assim como quem manda) por que não se calava. É verdade que a América Latina que fala castelhano já foi sujeita a uma Espanha beata e saqueadora, que pilhou os recursos dessa vasta região, massacrando, para isso, civilizações autóctones inteirinhas. Mas isso já faz parte da história há vários séculos, e hoje a Venezuela é uma república independente, com um presidente eleito democraticamente por esmagadoras maiorias, enquanto o monarca espanhol, que não foi eleito por ninguém, não passa de uma aberração política, exemplar de uma daquelas tumefacções sociais que o século XXI certamente irá remover. E a sociologia explicar.
As habilidades do professor Marcelo
Chávez – a quem o episódio caiu como sopa no mel – já respondeu nos termos que todos terão visto e ouvido na TV. Em Espanha e por cá, logo os senhoritos do costume aproveitaram para mordiscar Chávez, e até o professor Marcelo aproveitou para dizer que este alterou a Constituição da Venezuela para se perpetuar no poder. Sem querer dar lições ao senhor professor, que não disse esta bacorada por descuido ou ignorância, devo, no entanto, recordar ao insigne comentador (cujas opiniões quase sempre subscrevo) que é feio tentar enganar quem o ouve.
Chávez – a quem o episódio caiu como sopa no mel – já respondeu nos termos que todos terão visto e ouvido na TV. Em Espanha e por cá, logo os senhoritos do costume aproveitaram para mordiscar Chávez, e até o professor Marcelo aproveitou para dizer que este alterou a Constituição da Venezuela para se perpetuar no poder. Sem querer dar lições ao senhor professor, que não disse esta bacorada por descuido ou ignorância, devo, no entanto, recordar ao insigne comentador (cujas opiniões quase sempre subscrevo) que é feio tentar enganar quem o ouve.
Chávez não quer manter-se no poder eternamente à revelia da vontade popular. O que Chávez quer é poder submeter-se a eleições sem limitação de mandatos, o que é completamente diferente. Caberá sempre ao povo escolher entre os vários candidatos que se apresentarem a votos. Marcelo sabe isto, mas, pondo as coisas como as pôs, quis lançar sobre o presidente da Venezuela, mais uma das muitas calúnias que os «democratas» do capitalismo por aí propagam. Foi feio, senhor professor, foi muito feio.
Quanto a el-rei, que vive de nada fazer, como é próprio de qualquer majestade, compreende-se o desaforo. É que, na sua terra, não tem coragem – nem autoridade – para mandar calar ninguém: limita-se a reinar, o que já não é mau, tendo em conta os proveitos que daí tira. Enfim, reinações…
Quanto a el-rei, que vive de nada fazer, como é próprio de qualquer majestade, compreende-se o desaforo. É que, na sua terra, não tem coragem – nem autoridade – para mandar calar ninguém: limita-se a reinar, o que já não é mau, tendo em conta os proveitos que daí tira. Enfim, reinações…
OGE - ou o debate sórdido
Por cá, terminou a discussão, na generalidade, do OGE, que vai impor mais sacrifícios às vítimas do costume. O debate, aliás, foi um artifício sórdido, habilidosamente reduzido a um estúpido duelo entre Sócrates e Santana. Uma farsa, para não lhe chamarmos um deplorável número de mau circo .
Da conversa fiada do costume não veio, para o cidadão comum, qualquer novidade. Os problemas reais do país não foram abordados. As prima donnas afinaram a garganta com os habituais gorjeios e, depois, espremeram-se em duelos canoros cada vez mais desprezíveis e cada vez mais iguais aos de discussões anteriores. Todos sabemos o que vão cantar – e como vão cantar – aquelas cada vez mais ridículos e desprezíveis figuras.
Para quem vive pior neste país, talvez houvesse a expectativa de saber se, em 2008, a sua vidinha iria melhorar. Mas apenas ficou a saber que, no ano seguinte (2009) – por ser ano de eleições – a janela se entreabrirá e poderão entrar pequenas golfadas de ar fresco, na habitual e desavergonhada manobra de caça ao voto.
Aliás, estou mesmo convencido que as camadas mais desfavorecidas deste país nem sequer relacionam o OGE e o seu debate na Assembleia da República com o preço dos transportes, o valor das pensões, o peso dos impostos, o subsídio de desemprego, o próprio desemprego, o preço dos medicamentos, as taxas moderadoras ou o fecho das maternidades, SAPs e urgências, coisa que, de resto, convém imenso aos senhores ministros e ministras, aos senhores deputados e senhoras deputadas que, refastelados nos seus cadeirões, ou esganiçando-se sobre os modernos micros, têm o seu como certo ao fim do mês, a reforma repolhuda garantida a curto prazo, a que se juntarão, na maioria dos casos, futuros e não menos repolhudos tachos e posteriores e – ainda – repolhudas reformas.
Da conversa fiada do costume não veio, para o cidadão comum, qualquer novidade. Os problemas reais do país não foram abordados. As prima donnas afinaram a garganta com os habituais gorjeios e, depois, espremeram-se em duelos canoros cada vez mais desprezíveis e cada vez mais iguais aos de discussões anteriores. Todos sabemos o que vão cantar – e como vão cantar – aquelas cada vez mais ridículos e desprezíveis figuras.
Para quem vive pior neste país, talvez houvesse a expectativa de saber se, em 2008, a sua vidinha iria melhorar. Mas apenas ficou a saber que, no ano seguinte (2009) – por ser ano de eleições – a janela se entreabrirá e poderão entrar pequenas golfadas de ar fresco, na habitual e desavergonhada manobra de caça ao voto.
Aliás, estou mesmo convencido que as camadas mais desfavorecidas deste país nem sequer relacionam o OGE e o seu debate na Assembleia da República com o preço dos transportes, o valor das pensões, o peso dos impostos, o subsídio de desemprego, o próprio desemprego, o preço dos medicamentos, as taxas moderadoras ou o fecho das maternidades, SAPs e urgências, coisa que, de resto, convém imenso aos senhores ministros e ministras, aos senhores deputados e senhoras deputadas que, refastelados nos seus cadeirões, ou esganiçando-se sobre os modernos micros, têm o seu como certo ao fim do mês, a reforma repolhuda garantida a curto prazo, a que se juntarão, na maioria dos casos, futuros e não menos repolhudos tachos e posteriores e – ainda – repolhudas reformas.
OGE socialista - ou os pobres cada vez mais pobres
Na verdade, o que saiu do OGE socialista é a mesma desoladora certeza de que os pobres vão ficar cada vez mais pobres e que – por artes de uma maldita abracadabra – os bancos e os grandes grupos económicos verão multiplicados os seus lucros, como ainda agora ficámos a saber, com a divulgação dos resultados relativos aos primeiros 9 meses deste ano.
Ao ouvir o primeiro-ministro e a maioria dos deputados – especialmente os que mugem loas e sonoros «apoiados» às ordens do PS – cheguei a pensar que tinha acabado de aterrar em Portugal, num ano qualquer do futuro, depois de uma longa hibernação noutra galáxia qualquer, tal o descaramento daquela gentalha.
De facto, quem não viva em Portugal e não conheça as condições de vida de milhões portugueses, ao ouvir esses governantes e deputados, seria levado a pensar que temos excelentes – e bastantes – hospitais, maternidades e centros de saúde, que as escolas são um local exemplar, onde a juventude aprende e se habilita com os conhecimentos essenciais ao seu futuro – e ao futuro do país – que as empresas florescem e nascem para satisfazer as necessidades da população, e que esta tem uma vida razoável. Imaginaria, essa criatura recém-chegada, que os principais problemas económicos, sociais e políticos deste país tinham sido, enfim, resolvidos.
Da ficção à realidade
O problema, é que os nossos alunos aprendem cada vez menos, que os nossos doentes sofrem cada vez mais, e que os trabalhadores compram, com os seus ordenados cada vez mais precários e curtos, menos do que há um mês atrás. O problema, é que o desemprego aumenta todos os dias, as empresas fecham as portas, os subsídios sociais – que são tidos como esmolas ou privilégios – são eliminados ou reduzidos, e nascer nas estradas se tornou uma coisa tão normal que já notícia deixou de ser.
O problema, é que os nossos alunos aprendem cada vez menos, que os nossos doentes sofrem cada vez mais, e que os trabalhadores compram, com os seus ordenados cada vez mais precários e curtos, menos do que há um mês atrás. O problema, é que o desemprego aumenta todos os dias, as empresas fecham as portas, os subsídios sociais – que são tidos como esmolas ou privilégios – são eliminados ou reduzidos, e nascer nas estradas se tornou uma coisa tão normal que já notícia deixou de ser.
Por isso, Portugal, com este PS, ao contrário do que este mesmo PS e o seu chefe apregoam, continua a ter o crescimento mais baixo da União Europeia, afasta-se, ano após ano, da média europeia, exibe as piores taxas em doenças como a SIDA e a tuberculose, ou de chagas como o desemprego, os baixos salários e as baixíssimas reformas: Mas continua a ser, soberbamente – e cada vez mais – o campeão das desigualdades sociais e o país onde mais aumenta o fosso entre os mais ricos e os mais pobres. E onde os pobres, para além de serem cada vez mais pobres, são, também, cada vez mais.
Contenção?! Para quem?!
Porém, em época de contenção orçamental, e com a administração pública sujeita a restrições na aquisição de viaturas novas, por indicação do Decreto de Execução Orçamental para 2007, o ministro da Justiça acaba de comprar cinco automóveis topo de gama. O negócio, sem incluir o imposto automóvel, rondou quase 176 mil euros (35 mil contos) e foi por ajuste directo, logo sem recurso ao aborrecidíssimo concurso público.
E se olharmos para o orçamento da Assembleia da República para 2008, agora publicado em DR, verificamos que ali se prevê, na rubrica «Estadas», uma verba superior a 1,3 milhões de euros, ou seja, um acréscimo de 23,6%, para gastos com dormidas e ajudas de custo dos ilustres parlamentares.
O orçamento da AR, de cerca de 98,9 milhões de euros para despesas correntes, regista um aumento de 5,86% face aos 93,4 milhões de euros orçamentados para este ano. Isto é: os gastos previstos com viagens e estadas dos deputados em deslocações internas e ao estrangeiro acabam por registar um crescimento muito superior ao próprio orçamento anual do Parlamento.
Respiremos fundo. Era mesmo isto que faltava para o Parlamento começar a tratar dos problemas de Portugal e dos portugueses. Dinheirinho para viagens, comidas e dormidas.
Então, boa viagem. E, se puder ser, só de ida.
A gente agradecia.
Porém, em época de contenção orçamental, e com a administração pública sujeita a restrições na aquisição de viaturas novas, por indicação do Decreto de Execução Orçamental para 2007, o ministro da Justiça acaba de comprar cinco automóveis topo de gama. O negócio, sem incluir o imposto automóvel, rondou quase 176 mil euros (35 mil contos) e foi por ajuste directo, logo sem recurso ao aborrecidíssimo concurso público.
E se olharmos para o orçamento da Assembleia da República para 2008, agora publicado em DR, verificamos que ali se prevê, na rubrica «Estadas», uma verba superior a 1,3 milhões de euros, ou seja, um acréscimo de 23,6%, para gastos com dormidas e ajudas de custo dos ilustres parlamentares.
O orçamento da AR, de cerca de 98,9 milhões de euros para despesas correntes, regista um aumento de 5,86% face aos 93,4 milhões de euros orçamentados para este ano. Isto é: os gastos previstos com viagens e estadas dos deputados em deslocações internas e ao estrangeiro acabam por registar um crescimento muito superior ao próprio orçamento anual do Parlamento.
Respiremos fundo. Era mesmo isto que faltava para o Parlamento começar a tratar dos problemas de Portugal e dos portugueses. Dinheirinho para viagens, comidas e dormidas.
Então, boa viagem. E, se puder ser, só de ida.
A gente agradecia.
8 comentários:
Assino por baixo.
Abraços.
São
E eu também.
Maria dos Anjos
E não se podia fuzilá-los?
Entre o rei e estes «republicanos» e «democratas», qual q diferença? Apenas esta: o rei não precisa de votos para parasitar o povo.
Quanto ao resto, até as moscas são iguais.
Eduardo P.
TENS RAZÃO MONTE CRISTO
O AR QUE SE RESPIRA ESTÁ cada vez mais irrespirável
mas não basta ter razão
Ruge baixo, amigo Puma. Se eles ouvem comentários sobre o ar - e que este está irrespirável - lembram-se logo de o privatizar, sob o pretexto de o tornar... respirável.
Reinações. Debates sórdidos. Números de mau circo. Pobres cada vez mais pobres... Realmente sufocamos todos...
Um beijo para ti
Para vocês todos, que me visitam, um abraço. Apraz-me saber que somos consonantes nestas batalhas contra a bestialidade inerente à «democracia» reinante, a este feudalismo de novo tipo.
(Ou a este esclavagismo de de grilhetas virtuais, mas tão - ou mais - eficaz do que as outras, de ferro maciço)
Bem hajam
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