9.17.2009

Varrer Sócrates. Limpar a democracia



Varrer o lixo


Abro esta crónica com a questão que aqueceu o último programa Provocações. Uma ouvinte não apreciou a maneira muito cordata como Jerónimo de Sousa se opôs a Sócrates. Na sua opinião, aquilo mais parecera uma conversa de amigos. Chegou a sugerir que, após o debate, teriam ido os dois beber um copo. Se bem percebi, quis dizer que esperava de Jerónimo de Sousa, em nome do povo que o PCP garante defender intransigentemente, uma atitude de justa indignação e necessária denúncia, confrontando Sócrates com todas as malfeitorias praticadas durante o seu governo. Como, seguramente, teria feito Álvaro Cunhal, disse essa ouvinte.


Esperaria ela que Jerónimo de Sousa, frente ao homem e ao político que agravou todos os problemas existentes em Portugal e que, pelo seu pendor para a trapaça e para a arrogância fez alastrar pelo país um sentimento de desmoralização e perda de valores éticos e democráticos, aproveitasse para, em nome dos portugueses desempregados ou sem salário digno, sem dinheiro para medicamentos, sem reformas decentes, sem condições para constituir família, por viverem de trabalhos precários, ou forçados a emigrar para terem rendimentos decentes – e chegam aos muitos milhões os portugueses nestas várias condições – ser o porta-voz desta gente vilipendiada pelo governo socialista, ser o rosto dos sem esperança, dos injustiçados, dos que já não sabem como vai ser o dia de amanhã, ou sabem que vai ser pior do que o de hoje.


Confesso que também era isso que eu esperava. Que Sócrates fosse posto a nu e confrontado com todas as suas políticas criminosas e – porque não? – com todas as trapalhadas em que esteve (e está) envolvido, impróprias de gente honrada, quer na esfera pública, quer na privada. Vi, há dias, o vídeo desse debate e reparei que Jerónimo foi muito político. Não fez ondas. Não encurralou o «animal feroz» – ou o Lobo Mau – que anda agora disfarçado de Capuchinho Vermelho.


Afinal, não há fome no país? Afinal, não morreu ninguém às portas de urgências fechadas ou à espera de socorro? Afinal, não passou a ser moda parir nas ambulâncias, ou ir parir a Espanha? Não florescem, agora, as clínicas privadas, precisamente nos sítios onde Sócrates mandou fechar maternidades, urgências e serviços de saúde públicos? Não morrem portugueses à espera de uma operação, especialmente centenas de doentes oncológicos? Não há falências em série e não asfixiam as pequenas e médias empresas? Afinal, não há instabilidade de emprego, e desemprego para muito mais de meio milhão de portugueses? E onde meteu Sócrates os mais 150 mil empregos? Afinal, não aumentou a criminalidade e a insegurança? Afinal, a corrupção não se tornou um modo de vida, especialmente ao nível das várias estruturas do poder, enchendo os bolsos dos corruptos e os sacos azuis dos partidos, e a grande roubalheira, de colarinho branco, não é compensada com milhões de euros pagos por nós? Então, não nos afastámos mais da média europeia e não aumentou o fosso entre ricos e pobres? Então, com Sócrates, não passaram os patrões a fazer gato-sapato dos trabalhadores, com um Código do Trabalho pior do que aquele que Bagão Félix cozinhou – e que nem Salazar alguma vez se atreveu a imaginar? Então, não está a pata do PS a esmagar a liberdade de informação, comprando, ameaçando ou neutralizando as vozes incómodas? Não continuam os boys e as girls socialistas a banquetear-se com os tachos a granel que as mãos-largas do poder cor-de-rosa lhes reservam? Enfim – e afinal – não estão o povo e o país piores, em todos os sentido, incluindo o dos valores, muito pior agora do que estavam há quatro anos?


E mais: quando é que Portugal teve um primeiro-ministro envolvido em tantas situações comprovadamente ilícitas e indubitavelmente imorais, incompatíveis com o cargo e, principalmente, impossíveis de acontecer com alguém que faz do carácter, da dignidade e da ética as bandeiras da sua vida pública e privada? Não é Sócrates um exemplo chapado da mais pura charlatanice, pontapeando a verdade a torto e a direito? Quem é que, do cidadão comum, sendo lúcido, descomprometido e sério não gostaria de estampar estas verdades na cara sem vergonha do embusteiro que comanda o país? Eu, meus amigos, adorava fazê-lo.


Não quis ir por aí Jerónimo – como também não foram os outros líderes partidários – e creio que os especialistas e conselheiros de imagem lá saberão porquê. Uma coisa é certa: neste ciclo de debates, em nome do politicamente correcto e da imagem que se julga necessário transmitir para a opinião pública, foram todos muito iguais. O sentir – posso até dizer: a revolta – do povo esteve ausente. Não teve eco pela boca de ninguém. Resultado: milhões de portugueses – entre os quais eu – não ouviram dizer a Sócrates o que eles gostariam de lhe ter dito. Foi pena, pois essa desilusão pode levar muita gente a não se sentir identificada com o actual quadro partidário e, por consequência, a não votar, ou a votar branco ou nulo.


Mas vamos à vida. Depois dos debates a dois, com todos os intervenientes muito bem penteados e maquilhados, cheios de boas maneiras e sorrisos perfeitamente ensaiados e meramente de circunstância, a campanha está aí. Cumpra-se, então, a liturgia. Vá-se às urnas como os católicos vão a Fátima, ou os muçulmanos vão a Meca. Se alguém espera um milagre, desiluda-se. O povo ainda não percebeu – por preguiça, descrença, medo atávico ou pura indigência mental – que deve deixar-se de perigosas fidelidades partidárias ou simpatias pessoais (uma espécie de estúpida clubite em versão política) e correr com aqueles que, servindo-se do seu voto, se têm limitado a iludi-lo e a explorá-lo, década após década.


Há, então, que escolher novos rumos e deitar fora a quinquilharia política que por aí anda há mais de 30 anos a encher-se e a encher as arcas do grande capital, enquanto esvazia os bolsos de quem trabalha. E nisto, o PS é especialista.


Entretanto, eu falo no que se quer esconder: Por exemplo: Sócrates e o PS, 35 anos depois da ditadura, da Pide e da Censura, calaram o Jornal de Sexta, da TVI, e Eduardo Moniz e Moura Guedes foram eliminados. Bem podem chorar lágrimas de crocodilo e bradarem inocência, porque nem o mais néscio de entre os néscios (desde que não seja um socretino puro, é claro) é que acredita que o bando socialista nada teve a ver com o assunto.


Pode-se gostar ou odiar Manuela Moura Guedes, mas sem ela não se tinha sabido nem da missa a metade do caso Freeport, especialmente do DVD de Charles Smith, onde acusa Sócrates de corrupto, nem que havia um «Gordo», que por acaso também é primo de Sócrates, e que a PJ fotografou a sair de um balcão do BES com uma mala, depois de uma avultada verba ter sido enviada pelos homens de Londres. Sem Moura Guedes, a Justiça já tinha enterrado o caso, porque a magistrada Cândida Almeida, uma socialista dos quatro costados, não queria saber do DVD para nada e o Procurador-Geral da República até estava farto do caso «até aos olhos».
Na verdade, só há uma coisa que eu não percebo nesta altura. É a razão pela qual o Presidente da República se tem remetido a um misterioso silêncio sobre as trafulhices de Sócrates, e os lideres partidários do PSD, PCP, BE, CDS/PP e demais clássica política não dizem, sem papas na língua, que um homem como Sócrates não pode estar à frente do governo de um país que se diz livre e democrático. Muito menos recandidatar-se ao cargo. Porque se calam todos?


Por isso, devemos nós, em 27 de Setembro, varrer o lixo.

Sócrates, claro.