2.07.2013


Seita é seita
 

 
 
Franquelim Alves, um dos novos secretários de Estado agora empossados, é o mesmo Franquelim Alves que foi administrador do grupo Sociedade Lusa de Negócios/BPN, organização criminosa que levou a cabo a maior fraude financeira algumas vez acontecida em Portugal. Chegou a pensar-se que se estaria perante uma confrangedora coincidência de nomes, mas cedo se concluiu que não. Um antigo responsável da instituição onde – e quando – o crime sucedeu, acabava de entrar no governo de Portugal. Por sugestão de Santos Pereira, vontade de Passos Coelho e com o ámen de Cavaco.

Isso mesmo: enquanto a seita de altos figurões do PSD, com alguns socialistas à mistura, se entretinha a meter no seu próprio bolso – e no bolso dos amigos – algo que pode chegar a mais de sete mil milhões de euros, o senhor Franquelim olhava para o lado e mantinha um prudente silêncio. Mais tarde, haveria de confessar que percebera tudo o que se passava mas, por razões de prudente estratégia – não foi em nome do interessa nacional, mas quase – preferiu ficar mudo e quedo. E até assinou um relatório de contas perfeitamente criminoso.

Como se não bastasse estar a coberto de qualquer acusação, como, aliás, muitos outros responsáveis pela cratera que, segundo se estima, lesou o país nos tais mais de sete mil milhões de euros – o mais certo é verificarmos, um dia destes, que tudo o que aconteceu não teve autores – Franquelim ainda foi premiado com um lugar no governo, substituindo Carlos Nuno Oliveira, na secretaria de Estado do Empreendedorismo, Competitividade e Inovação.

Se já era escabroso que o Estado só quisesse estar no BPN para assumir os prejuízos, o que chamar então ao facto de ser o espírito empreendedor, competitivo e inovador, made in BPN, a estar bem dentro do aparelho do Estado? A coisa só explica porque uma seita é sempre uma seita e, quando assim é, o resto é conversa fiada.

Cientes do que estavam a fazer, os energúmenos que governam (salvo seja!) este arremedo de país, tiveram o cuidado de omitir, no currículo do novo governante, a sua dignificante passagem pelo BPN. Sempre inteligente e subtil, Passos Coelho apressou-se a esclarecer o país que tal omissão se justificava pelo facto de toda a gente saber esse precioso detalhe do passado do novo secretário de Estado.

Já o Álvaro – o dos pastéis de nata – depois de muito esmifrar os neurónios, descobriu que a criatura que ele chamou ao governo até fora o primeiro cidadão deste país a denunciar, por comovente e heroica epístola, a gigantesca burla. Azar! Sabe-se que há uma missiva a tocar no assunto, mas não é do atual secretário de Estado, e sim de toda a administração da SLN. E só surge depois de se saber das irregularidades no grupo.


Portugal não é só um lugar mal frequentado. É, principalmente, um covil de gente que, por falta de adjectivos, já não é possível qualificar.

Lá do alto, o Cardeal Cavaco abençoa a seita que descobriu o Maná.

2.05.2013


O banqueiro e o seu gás
Ziklon-B
 
 
Quando um banqueiro com o rei na barriga, que julga que a história parou em Portugal e no mundo, se atreve a dizer que os portugueses que ainda não alcançaram o invejável estatuto de sem-abrigo estão aptos a aguentar com mais austeridade no pelo, está dito e confessado, embora involuntariamente, o que é a natureza do sistema capitalista. A sua matriz desumana e predadora.



O homem que lavrou a sentença chama-se Fernando Ulrich. Aqui há uns meses largos, já tinha manifestado outro dos seus pontos de vista, que se resume a isto: um trabalhador deveria poder ser despedido no preciso momento em que a sua entidade patronal entendesse. Desta vez – e em defesa da sua opinião – ainda teve tempo para perguntar a um jornalista: "Se você andar aí na rua, e infelizmente encontramos pessoas que são sem-abrigo, isso não lhe pode acontecer a si ou a mim porquê? Isso também nos pode acontecer”.
Como deveríamos perceber, se não fôssemos uns pobres mentecaptos, ser-se sem-abrigo é algo que pode acontecer, natural e frequentemente, assim como acontece a chuva, uma manhã de nevoeiro ou uma tarde de sol. Acontece porque acontece, não tem causas, a não ser causas naturais. É uma coisa má, mas sem culpados. Um homem pode perder a sua fonte de subsistência e a da sua família, ver-se atirado para a mais profunda miséria, ser transformado num ser humano destroçado a quem nada mais resta do que estender a mão à caridade e dormir entre cartões e plásticos nas arcadas do Terreiro do Paço, mas isso é só porque as coisas são mesmo assim.
Não acredito que Fernando Ulrich não saiba aquilo que Almeida Garrett, aqui há 170 anos, já sabia: que são precisos muito pobres para se fazer um rico. Por outras palavras: que ele, Fernando Ulrich, banqueiro de pança cheia com o dinheiro que é dos outros, é o autor de muitas centenas de sem-abrigo que por aí se esvaem sem pão e sem esperança; que ele, Fernando Ulrich, come, por consequência, seres humanos ao pequeno-almoço, ao almoço e ao jantar; que ele, Fernando Ulrich, é a prova viva de como a sociedade que o enriquece – o sistema político e económico onde medra – é uma máquina infernal de fazer pobres. Que ele, Fernando Ulrich, acha que até se ser um sem-abrigo, é natural que um homem tenha que aguentar aquilo que ele acha que se deve aguentar. E de bico calado. Para quê? Para, por exemplo, ele enriquecer mais com milhares de milhões de euros saídos dos bolsos – e do esforço produtivo – de milhões de seres humanos. 
Portugal é, hoje em dia, um imenso campo de concentração, um Auschwitz moderno, diferindo do outro, do verdadeiro, em alguns pequenos detalhes: não se impede os prisioneiros de saírem, mas apenas para se poupar nas câmaras de gás e nas dores de cabeça; não se usa o gás Zyklon B nem os fornos crematórios: usa-se a Crise; e não se pretende o extermínio total dos prisioneiros: apenas o dos mais fracos e velhos. Os outros, os produtivos, são usados para sustentar Fernando Ulrich e os seus pares.
É verdade: o que é que aconteceu aos carrascos de Auschwitz? Acabaram pendurados numa corda, não foi?