2.25.2008

Intermezzo III


Muito...


É tão inútil abraçar o mundo, e possuí-lo.
É tão pouco ter tudo.
Muito, é o mundo possuir-nos;
a terra penetrada pelo nosso corpo,
o abraço do chão à nossa volta,
sementes.

2.23.2008

Albergue de parasitas

«Sobre a nudez forte da verdade, o manto diáfano da fantasia»,
ou a entrevista de Sócrates aos domesticados jornalistas da SIC


Sim, senhor
primeiro-ministro…


«A entrevista da SIC e do Expresso a Sócrates não foi uma entrevista, foi uma sessão de propaganda.» A frase é de Vasco Pulido Valente, na sua crónica publicada no jornal Público, de 19 de Fevereiro.

Castanheira Barros, que é o advogado que não desiste de lutar contra a co-incineração no Outão – e no país – enviou-me, por seu turno, esta observação: «Nunca imaginei ser possível pôr dois passarinhos a entrevistar um papagaio. Só mesmo a televisão de Carnaxide seria capaz de uma tal proeza».

Outra opinião: «A entrevista televisionada de 18 de Fevereiro, ao primeiro-ministro José Sócrates, pode ser chamada de conivência jornalística. Neste jogo de cartas marcadas, os que fazem figura de jornalistas estão ali só para fingirem que são isentos. Mas o seu verdadeiro papel é dar as "deixas" e evitar cuidadosamente perguntas que ponham em causa a política neoliberal do governo Sócrates. A técnica destes senhores é cingirem-se aos temas de conjuntura, esquecer os de estrutura e respingar uns salpicos de pequena política. Triste jornalismo este».

Esta visão da cordial conversa foi publicada no site http://www.resistir.info/. Juntas, as três opiniões que transcrevi, completam-se e resumem exactamente o que penso da referida entrevista. Confesso, aliás, que não esperava outra coisa: de Sócrates, o elogio das suas políticas; dos jornalistas, o cuidado de não confrontar o «engenheiro» com a triste realidade social e económica de um país, onde cada vez mais portugueses, quando metem a mão no bolso, só tiram de lá os cinco dedos, como dizia o célebre humorista brasileiro, Apparício Torelli.

Bem pagos – e com emprego certo – os senhores jornalistas não estavam interessados em desagradar ao chefe, coisa perigosa nos tempos que correm. Na verdade, emprego e remuneração dependem sempre – e cada vez mais – de se estar (ou não) nas boas graças de quem manda. E quem manda, por agora, todos sabem quem é. Dobrar a espinha, refrear a língua, ser-se serviçal, faz bem à estabilidade laboral e à conta bancária. (Soube-se, depois disso, que a mulher de um desses jornalistas, irmão da actual presidente da C. M. de Lisboa, assuniu funções de consultora externa do Gabinete de Comunicação da nova ministra da Saúde, Ana Jorge).

A contabilidade do «engenheiro»
só tem somas


Sócrates só contabiliza os postos de trabalho criados.
Os perdidos, nas contas do «engenheiro», não entram em contas.


Disse o «engenheiro» que vai conseguir criar os tais 150 mil novos postos de trabalho, pois já conseguiu criar 94 mil. E ninguém lhe perguntou quantos já se perderam, uma vez que o número de desempregados, em finais de 2007, era superior ao registado em finais de 2006, sendo, actualmente, o número mais elevado dos últimos 21 anos. A mistificação, própria para iludir atrasados mentais, passou impune.

Jornalista que se prezasse, que honrasse a sua profissão, teria dito ao chefe dos socialistas e do governo que, para lá da manipulação dos números, há uma realidade vivida por centenas de milhares de portugueses que nem das estatísticas fazem parte.
Era forçoso ter lembrado ao distinto entrevistado que o INE só considera desempregados os que não têm emprego ou qualquer ocupação remunerada, e que, de algum modo, procuram obter um emprego. Os “biscateiros”, ou os desempregados que já desistiram de procurar emprego não contam, pelo que o desemprego real atinge muito mais de meio milhão de pessoas. A somar a isto, há milhares de portugueses, sobretudo jovens, em permanente subemprego, com situações precárias, saltando de call center para call center, sujeitando-se a situações verdadeiramente dramáticas em termos de retribuição e perspectiva de futuro.

Como (ou pior que) nos tempos
de Salazar e Caetano



Se comparar Sócrates com Salazar for ofensivo, não o será, certamente,
para o actual presidente do conselho...


Depois, há os milhares de portugueses que já desistiram de Portugal, o que seria, se vergonha fosse palavra – e conceito – que fizesse parte do património do PS e do seu capo, uma situação incontornável quando se fala de desemprego, recuperação económica e desenvolvimento. Quantos milhares de novos emigrantes já se espalharam por essa mundo fora, desde que Sócrates é senhor presidente do conselho de ministros? Só em Espanha e Inglaterra contam-se por 200 mil, e sempre a subir.

Isto é: os jornalistas não tiveram a coragem de confrontar Sócrates com as consequências reais das suas políticas, tanto na questão do desemprego, como nas outras áreas abordadas, com a Saúde e a Educação à cabeça. Em vez disso, foi um acabrunhante «sim, senhor primeiro-ministro», reverencial e calculista, não fosse o diabo tecê-las. Eles sabem bem do que Sócrates é capaz, e como certos jornalistas já sentiram na pele a chicotada das irritações do chefe dos socialistas. (Que me desculpem os socialistas a sério).

Mas estamos conversados a este respeito. Afinal de contas, as coisas não mudaram assim tanto desde os velhos tempos de Salazar e Caetano.

Apartamentos de luxo para uns,
penhoras e despejos para outros




Carvalho da Silva no Congresso da CGTP, desmontou as políticas assassinas do PS. A comunicação social esforçou-se por omitir as críticas mais contundentes

Uns dias antes, um homem que não se conforma com a situação miserável a que o país chegou, perguntava. «Como é que se percebe que, em 2006, em Portugal, 100 famílias tenham visto crescer os seus rendimentos em 36%, quando a esmagadora maioria da população teve os seus vencimentos estagnados?». A pergunta, feito por Carvalho da Silva, na apresentação de um estudo sobre as desigualdades elaborado pela CGTP, revela que, no outro lado da moeda, existem mais de 300 mil famílias sem rendimentos. Face a isto, quem se poderá espantar que Portugal seja, no âmbito da UE, o país onde o fosse entre ricos e pobres mais largo é, e, ainda por cima, está em alargamento constante?

A ilustrar o que acabei de dizer, dou-vos um belo e sugestivo exemplo. No campo Grande, foi construído, e está em fase de comercialização, um condomínio de luxo. Os preços começam em 1 milhão de euros nos pisos inferiores, vão subindo conforme a altura, e terminam em 4,5 milhões de euros, nos pisos superiores, ou seja, oscilam entre os 200 mil e os 900 mil contos. Uma ninharia. Apenas quero esclarecer que os pisos superiores (os tais de 900 mil contos), já foram todos vendidos.

Entretanto, milhares de portugueses, especialmente jovens casais, perdem as suas casas, pois o desemprego ou a degradação dos seus salários retiram-lhes o direito a uma habitação digna e, inclusivamente, à sua própria subsistência, tal como a Constituição da República determina e a Declaração Universal dos Direitos Humanos consagra. Em Portugal, pelo que se vê, tanto a Constituição da República, com a Declaração Universal dos Direitos Humanos, só têm aplicação prática em 10% da população.



Viva a República!
Viva a Democracia !
(Albergues de parasitas)

Esta teria sido outra boa questão para colocar ao senhor presidente do conselho. Mas é próprio dos passaritos reverenciarem o palrar dos papagaios.

Mas já que estamos a falar em desemprego e baixos salários, termino, para desanuviar, com uma interessante lista que ilustra precisamente o contrário. Trata-se uma breve recolha de exemplos onde se verifica que os senhores políticos têm sempre uma dourada linha de fuga após os seus gloriosos tempos de governação. Ou seja: que políticos e senhores da alta finança estabeleceram um eficaz vaivém de cadeirões e gabinetes, um toma-lá-dá-cá de convenientes conivências, de tal modo que ser-se ministro escancara as portas dos conselhos de administração de empresas públicas ou privadas, e ser-se gestor é meio caminho andado para se chegar a ministro.

Vamos, tão, à tal lista, onde podemos constatar como nomes célebres da política estão – ou estiveram – em altos cargos da gestão empresarial.

- Fernando Nogueira: de Ministro da Presidência, Justiça e Defesa, chegou a presidente do BCP Angola;

- José de Oliveira e Costa: de Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, saltou para presidente do Banco Português de Negócios (BPN);

- Rui Machete: de Ministro dos Assuntos Sociais, foi a presidente do Conselho Superior do BPN e presidente do Conselho Executivo da FLAD

- Armando Vara: ministro-adjunto do primeiro-ministro (demitido por indecente e má figura), passa a director adjunto da CGD, depois a administrador e, finalmente, a vice-presidente do BCP;
- Paulo Teixeira Pinto: de Secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros, a presidente do BCP. (Depois de 3 anos de "trabalho", sai com 10 milhões de indemnização e mais 35.000 euros x 15 meses por ano, até à hora da sua morte…);

- António Vitorino: de Ministro da Presidência e da Defesa vai a vice-presidente da PT Internacional e a presidente da Assembleia-Geral do Santander Totta;

- Celeste Cardona: de Ministra da Justiça passou a vogal do CA da CGD;

- José Silveira Godinho: de Secretário de Estado das Finanças, a administrador do BES;- João de Deus Pinheiro: de Ministro da Educação e Negócios Estrangeiros, a vogal do CA do Banco Privado Português;

- Elias da Costa: de Secretário de Estado da Construção e Habitação, a vogal do CA do BES;- Ferreira do Amaral: de Ministro das Obras Públicas (que entregou todas as pontes a jusante de Vila Franca de Xira à Lusoponte) a presidente… precisamente da Lusoponte;


- Mira Amaral: de Ministro da Economia a administrador da CGD, de onde é reformado, após 18 meses de exaustivo trabalho, com uma reforma de 3.600 contos mensais.


E, caros amigos, por falta de espaço e tempo, fiquemo-nos por aqui, que para exemplo já basta. Mas são estes – ou outros parecidos – que compram os tais apartamentos de 900 mil contos.


Entretanto, viva a República!

E – principalmente – viva a Democracia nacional-socialista, que é, actualmente, o maior albergue de parasitas de que há memória neste desgraçado país.

2.17.2008

Dili e Lisboa - o mesmo fado

O povo timorense merecia mais e melhor que Rambos reinadios,
Hortas e Xananas comprados por um prato de lentilhas. Mas há o petróleo, não é?


Do Rambo de Timor,
ao caladinho de S. Bento


Não consigo ouvir a palavra Timor sem que, cá dentro – no sítio onde dizem que o coração, ao assinalar as emoções, muda de ritmo e, por vezes, parece até doer ao cavalgar dores ou alegrias – algo se manifeste à revelia da minha vontade.

A verdade é que passei dois anos da minha juventude naquela terra de muitas e variadas gentes, onde timorenses, europeus (quase todos ali presentes em chamada missão de soberania), chineses (que dominavam todo o comércio), africanos, indianos e, por fim, a mistura de todas estas raças, conviviam num clima de aparente tolerância e relativa afectividade. É claro que os timorenses, na base da pirâmide, acabavam por ser, na sua própria terra, quem nenhuma voz activa tinha na vida social e económica (a vida política, nesse tempo, era coisa ferreamente reservada aos representantes do Estado) limitando-se, na sua maioria, a sobrevier praticamente à custa de uma agricultura precária, já que a pesca era ainda mais frágil e incipiente.

Depois, tínhamos os donos da terra: o clã do velho Carrascalão (que para ali fora deportado nos primórdios do fascismo, e que tomara tudo o que a vista alcançara). A filharada pai Carrascalão vivia aparte de tudo, contra tudo, acima de tudo. Não se sentiam europeus, porque nasceram mestiços. Também não sentiam timorenses, porque prezavam o seu sangue branco e o seu estatuto de amos e senhores. Detestavam a tropa, não pelo seu peso colonial, mas porque lhes roubavam o mando a que julgavam ter direito. Enfim, eram a face mais conflituosa – e preconceituosa – da sociedade daquele tempo.

Seja como for, os dois anos que passei naquela metade de ilha foram uma experiência extraordinária, não só pela relação com uma realidade colonial, que muito me ensinou, como também pela ligação aos diversos extractos sociais, onde as clivagens me pareciam absurdamente esbatidas. Depois, o mar e os seus corais, as montanhas e a floresta, o sol radioso, as acácias vermelhas, as chuvas densas e fortíssimas da monção – mais certas e infalíveis que um relógio suíço – ou o perfume tropical de uma terra quase virgem, deixaram-me marcas que jamais perderei. Nem quero.
Reinado quis reinar demais...
O major Reinado era um instrumento dos norte-americanos,
australianos e dos seus aliados em Timor, Xanana e Ramos-Horta.
«Reinou» à vontade, até ter decidido «reinar» demais...

Mas vêm estas divagações a propósito do atentado perpetrado pelo major Alfredo Reinado, um rapazola a soldo dos interesses ocidentais, interesses que têm nos australianos e norte-americanos os seus principais representantes.

Na verdade, Alfredo Reinado reinou à fartazana com a tolerância – nem sei se deva dizer: com o apoio – de Xanana Gusmão, Ramos Horta e toda a tropa aliada que ali está para salvaguardar a possibilidade de Timor ser, de facto, dos timorenses. Alfredo Reinado saiu da prisão quando quis, como quis, com quem quis, com as armas que quis e, posteriormente, instalou-se, com os seus seguidores, onde quis. Deu as entrevistas que quis, movimentou-se como e quando quis e, se não foi recapturado, meus amigos, foi, apenas, porque ninguém… quis. O homem dava jeito.

Xanana e Ramos Horta, há muito rendidos aos ditames das radiosas democracias ocidentais – e, por isso, um saiu da prisão de Jacarta, e o outro foi prémio Nobel (e ambos presidentes da república e primeiros-ministros) – acabaram por ser vítimas do monstro que criaram e alimentaram. O que falta saber é se Reinado, de costas quentes pelos amigos ocidentais, se precipitou na execução do golpe, ou se alguém, em Camberra ou Washington, acreditou demais na capacidade do pequeno Rambo.
Ramos-Horta pensava que bastava ter as costas quentes pelos seus amigos norte-americanos e australianos, para que a criatura que ajudou a criar (Reinado) não se voltasse contra um dos criadores.

O que é certo, é que Xanana, Ramos Horta e os seus aliados Carrascalões e Cia., terão começado a perceber que não podiam governar Timor sem estabelecer laços com as forças políticas que, de facto, representam o povo timorense, entre as quais se destaca a Fretilin, onde Xanana nasceu como político e patriota e que, depois dos compromissos que o devolveram á liberdade, renegou sem pudor, para não dizer que traiu miseravelmente.

E foi assim que Timor, pequeno e pobre (mas com razoáveis jazidas petrolíferas, que a Fretilin quis fazer reverter a favor do povo timorense, e por isso, foi apeada pela santa aliança pró-ocidental) se tornou palco de mais um acto da longa tragédia política que a rapaziada dos dólares ali tem em cartaz.

Reinado morreu, veremos que é o próximo Rambo. Ou totó.

Viajemos, agora, até ao nosso país, onde a tragédia em cena assume, por vezes, aspectos de comédia burlesca e rasca.
De fala-barato, a fala pouco...

Sócrates, de intenso fala-barato, passou, recentemente,
para um curioso estado de fala-pouco.

Soubemos que o desemprego atingiu o seu mais alto nível dos últimos 21 anos. O «engenheiro» Sócrates, porém, calou-se. A fantasia dos 150 mil novos empregos foi chão que deu uvas. Ou ele quereria dizer: menos 150 mil empregos?

Soubemos que Portugal precisaria de 60 anos, ao ritmo actual das políticas implementadas pelos socialistas, para alcançar a escolaridade média da União Europeia. O «engenheiro» Sócrates não solta um pio sobre esta triste realidade.

Soubemos que o governo socialista quer acabar com o Conservatório Nacional.
A denúncia circula por aí nestes termos:
O vergonhoso ataque ao Conservatório Nacional
«Disto, já se suspeitava há algum tempo, mas agora é público: o Ministério da Educação quer mesmo acabar com a Escola de Música do Conservatório Nacional. Por isso, se o deixarem, uma instituição com quase 180 anos, que já nos deu Maria João Pires, Bernardo Sassetti e tantos outros, tem os dias contados. Já não se trata de destruí-la devagarinho, como até aqui – deixando-a cair aos bocados, como o órgão do século XVIII a deteriorar-se, ou o Salão Nobre quase a ruir sobre a plateia. Desta vez, a sinistra ministra quer fazer o serviço de uma só vez. Com três golpes tão rápidos e certeiros que, espera ela, ninguém vai sequer perceber o que se passa.

O primeiro golpe é acabar com os Cursos de Iniciação. Crianças dos 6 aos 9 anos de idade vão deixar de ter acesso às 6 horas semanais de instrumento, orquestra, formação musical, coro e expressão dramática hoje ministradas pelo Conservatório.

O segundo golpe é matar o Ensino Articulado. Adolescentes com talento musical já não poderão conciliar a formação artística de alto nível do Conservatório com a frequência às outras matérias da sua escola habitual. Quem quiser ser músico, a partir de agora, tem que decidir profissionalizar-se aos 10 anos de idade – sem poder voltar atrás.

Por fim, o golpe de misericórdia é dar cabo do Ensino Supletivo – o regime que tem formado, ao longo dos anos, a maior parte dos músicos portugueses. De Alfredo Keil a Pedro Abrunhosa, passando por centenas e centenas de outros
».

Quanto a isto, Sócrates cala-se que nem um rato.


Outras notícias dizem-nos que quase duas mil famílias tiveram de pedir auxílio para não perderem as casas. As dívidas são o novo flagelo da sociedade moderna portuguesa. A crise perpétua em que vivemos, agravada pela subida das taxas de juro e pelo desemprego, está a deixar cada vez mais famílias em situação desesperada.


Associado a isto, está o crescimento do crédito malparado, que mantém a tendência iniciada no final de 2006. De acordo com dados do Boletim Estatístico do Banco de Portugal, o crédito de cobrança duvidosa atingiu, no final de Novembro, os 2.367 milhões de euros, o que representa um crescimento de 129 milhões, face ao mês anterior, e de 209 milhões, face ao período homólogo.


E Sócrates sem tugir nem mugir.


Mas, às vezes, Sócrates ainda fala. No dia 10 de Janeiro, garantia que iria ser construída uma nova ponte sobre o Tejo, aliás um projecto que já não é novo e, por acaso, bastante consensual. Porém, dias depois, o impagável ministro Mário Lino vem informar que, afinal, mandou o LNEC estudar outras alternativas. O que era certo num dia, passou a incerto noutro.


E Sócrates, que durante meses nunca se calava, voltou a meter a viola no saco.


O director da Polícia Judiciária, que é amigo íntimo do ministro da Administração Interna, matou a investigação do caso Maddie. Nada de espantar. Desde cedo se percebeu que o governo inglês, da mesma família política do governo português, apostava forte na protecção dos Macann, cujas ligações ao Partido Trabalhista são do conhecimento público. Tarde ou cedo, aqui chegaríamos. Parece que já chegámos.


E Sócrates nada tem a dizer.


Aparentemente, eclipsou-se a verve do senhor «engenheiro» de (pelos vistos) obras feitas… mas pelos outros.


Mas o que interessa aos portugueses a vida nacional? Na verdade, e a julgar pelos noticiários, o que realmente é importante para nós – e para o mundo – é o folclore milionário das escolhas dos candidatos às eleições presidências norte-americanas.


Pelo que somos forçados a engolir diariamente – e pelo que comemos por tabela em resultado da política do império – bem deveríamos exigir o direito de também votarmos naquela palhaçada.


Não acham?

2.05.2008

Intermezzo



Terra molhada

No limite do poema emerge a dúvida,
quando a flor silvestre exalta o chão,
mostrando a terra cantada pela inocência da chuva.
Tudo está aqui, e tudo aqui é perceptível,
neste desenho saliente, gravado em cor e calma,
onde só o medo e as perguntas não existem.
Nem o tempo.

Para que servem as palavras, para que serve a fala,
se não podem transformar-me em simples erva
presa à terra molhada,
gloriosamente a festejá-la?

2.03.2008

Até ver, é o triunfo dos porcos


A democracia agoniza e, com ela, um povo abúlico e desnorteado.
O vírus «socialista» está a cumprir a sua missão. O «engenheiro» também...

Uma espécie de genocídio

Parênteses introdutório: (Não falarei de nenhuma remodelação. Porque não houve remodelação. Só a teríamos, se Sócrates e o PS deixassem o país em paz. Mas a gamela do poder é como a droga. Vicia. E os que a provam não conseguem deixá-la de livre vontade...)


Em Portugal tudo é pequeno. Quase tudo. Apenas a pouca-vergonha, a corrupção e a fúria saqueadora da oligarquia instalada (ou seja: o PS de braço dado com os donos do capital financeiro) são enormes, gigantescas. Por isso, quando os portugueses vão caindo como tordos às portas das urgências hospitalares – ou dentro delas – ou à espera que o INEM decida socorrer o desgraçado que agoniza deitado no passeio, ou caído no corredor da sua casa, não se pode dizer, para sermos rigorosos, que estejamos perante um genocídio. Ainda é cedo. Por enquanto, é apenas uma espécie disso, já que, de facto, as políticas do PS, designadamente nos capítulos da Saúde, relações laborais e Segurança Social, ainda não matam em massa e em ritmo industrial. Mas matam.

É verdade que há, também, as mortes silenciosas e invisíveis (ditas naturais) registadas entre aqueles milhares que vão definhando, escondidos em casebres e casinhotas esconsas das aldeias ou das cidades, ou em qualquer outra paragem deste país em putrefacção. São os que não alcançam os patamares mínimos da dignidade humana, sem meios para se alimentarem capazmente ou – muito menos – para acederem a cuidados de saúde que lhes evite a morte prematura. Morrem anónimos, minadinhos pela incúria e indiferença dos Salazares cor-de-rosa. Morre-se por má nutrição e falta de assistência médica e medicamentosa, porque gente há, aos milhares, que se esconde dentro do seu sofrimento e da sua miséria, de tal modo habituada à dor e ao definhamento, que isso toma por coisa natural, como se a sua condenação à morte lenta não passasse de um desígnio, de um ditame da ordem natural das coisas.

Sócrates, com a sua voz de flauta, que produz sempre os mesmos estranhos e duvidosos requebros – vá lá saber-se se por vaidade, se por gostar de se ouvir no delicodoce registo que a natureza, matreira, lhe deu – garante, sem se rir, que Portugal nunca foi governado tão à esquerda e com tantas preocupações sociais.

Não sei o que pensam deste delírio os dois milhões de pobres, mais os outros novos pobres que não entram nestas estatísticas, nem as famílias dos mortos que já perceberam qual é a política de Saúde do PS, nem o meio milhão (pelo menos) de desempregados, nem as dezenas de mulheres que foram forçadas a parir no meio de uma auto-estrada ou estrada nacional, nem as centenas de milhares de portugueses que, nos últimos anos emigraram, nem os milhões de portugueses que, todos os dias, perdem poder de compra, nem os casais que ficam sem a casa, porque as tais «políticas de esquerda» lhes deram cabo do orçamento familiar, nem os jovens que procuram, em vão, o primeiro emprego, nem os milhares de portugueses que só encontram trabalho precário e mal remunerado, nem os reformados, que sofreram agravamentos fiscais que lhes reduziram as já de si reduzidas reformas, nem aqueles que já evitam acender a luz, à noite, para que a conta da luz não corroa o fraquíssimo rendimento mensal.

Uns morrem, outros engordam...

Recebeu 9,732 milhões de euros de «compensações» e «remunerações variáveis». E enquanto a juntas médicas obrigam cancerosos a trabalhar até à morte, ele não se possa queixar. Paulo Teixeira Pinto, ex-presidente do BCP, passou "à situação de reforma em função de relatório de junta médica" . O banqueiro, de 46 anos, foi considerado inapto para o trabalho, apesar de já ter arranjado um cargo numa consultora financeira.



Sócrates não sabe – ou finge não saber – que milhões de portugueses sabem, hoje em dia (e alguns pela primeira vez nas suas vidas) o que significa a expressão «comer o pão que o diabo amassou». Sócrates não sabe – ou finge não saber – que nunca se viveu tão mal em Portugal e que nunca, neste pobre país, o fosso entre os mais ricos e os mais pobres se alargou até tocar as fronteiras da mais desavergonhada obscenidade.

Sócrates e o seu governo – onde abundam os mais ridículos, mentirosos e incompetentes ministros de que há memória nos últimos anos – mais os seus fiéis deputados na Assembleia da República (ou seja: o Partido Socialista), são todos, material e objectivamente, responsáveis pela miserável situação do país, onde uma economia à deriva só deixa margem de manobra para o grande capital financeiro, que nunca encheu as arcas como agora sucede. São os responsáveis pelas mortes que uma política de saúde criminosa já provocou – ou não pôde evitar.

«Era evidente, quando o dissemos, há um ano, que o encerramento dos Serviços de Atendimento Permanente sem estar finalizada a reestruturação das Urgências era um crime.» Isto disse o bastonário da Ordem dos Médicos perante os casos mais recentes de mortes por falta de assistência médica. Pedro Nunes disse ainda que, «mais cedo ou mais tarde, estes casos teriam de acontecer», e que «casos idênticos repetir-se-ão, se não for rapidamente repensado o sistema».



O concubinato descarado




No meio desta espécie de genocídio, e como óleo indispensável a lubrificar as grandes negociatas públicas e privadas – e a mistura das duas, num caldeirão de promiscuidades, de que o BCP é um belo exemplo – aí está a voz insuspeita de Marinho Pinto a clamar, do alto do seu estatuto de bastonário da Ordem dos Advogados, aquilo que toda a gente sabe. A corrupção e o clientelismo proliferam como cogumelos venenosos, que crescem e medram até nos mais altos níveis do aparelho do Estado. Não é novidade, mas sabe bem ouvir isto dito assim, de tal modo que o senhor Procurador-Geral da República, como se pela primeira vez de tal coisa tivesse ouvido falar, lá decidiu, com este empurrão, tomar as providências necessárias ao esclarecimento de tão desgraçada denúncia.

Mas a coisa não é nova. Aqui há tempos, alguém disse exactamente isto: «A cooperação prestada por responsáveis dos serviços de contribuições e impostos permitir-me-ia consolidar as suspeitas de que a falsificação de facturas visava diversas finalidades, em que avultavam a evasão fiscal, a obtenção de benefícios fiscais ilícitos, o pagamento de salários e gratificações ocultos ou não autorizados, a realização de negócios com o exterior e a corrupção de agentes da administração e do poder político.»

Estas palavras, então, caíram em saco roto, apesar de terem sido proferidas pelo então Procurador-Geral da República, Cunha Rodrigues. Veremos se, agora, a coisa avança.

Os «manos» e os cunhados (propriamente ditos)

Na semana passada falei de casos em que o tráfico de influências, favorecimento pessoal a partir do poder que se detém, o amiguismo e o clientelismo são moeda corrente atrás dos reposteiros da política. Da nova classe de boys, os chamados «manos», que por estarem ligados a altas figuras do PS, conseguiram os seus jobs na administração pública. Também nas câmaras municipais abundam os cunhados e demais elementos dos agregados familiares dos senhores presidentes e respectivos acólitos. O que é preciso é a malta safar-se, enquanto a coisa está a dar.

Trinta e quatro anos depois do 25 de Abril, a distinta classe política está bem e recomenda-se. Entrou em concubinato descarado com os senhores do cimento, das finanças e de outros valores e instrumentos que vão passando carinhosamente do público para o privado e, entre ternas manifestações de amiganço, satisfazem-se uns aos outros, revezando-se no deter das rédeas, num toma-lá-dá-cá indecente e, até ver, completamente impune.

Mas é um festim caríssimo, onde os chorudos ordenados, as opíparas e várias reformas, os abundantes e sempre disponíveis altos cargos na administração pública ou no privado, as muitas e variadas benesses e mordomias – carro às ordens, gasolina, cartões de crédito, despesas de representação, motorista, telemóvel, linhas de crédito especiais e, principalmente, impunidade absoluta em caso do caldo azedar – exigem dos miseráveis plebeus a contribuição necessária à liquidação da factura.

É um baile macabro, porque, para o consumarem, tiram vida às vidas de cada um de nós – e, como se viu, sacrificam até a vida daqueles que, mais infelizes ou desprotegidos, com ela pagam o facto de terem nascido neste triste e anémico país.

Até ver, é o triunfo dos porcos.