9.26.2007

Ele anda muito contente

Quando o défice estiver como o Governo quer,
os portugueses estarão (quase) todos assim, no Balcão de
Sócrates

O Balcão de Sócrates
No última crónica, com o título «Um Código à maneira», que também é lida na rádio, numa rubrica chamada «Provocações», um ouvinte entrou em linha para emitir uns desabafos e classificar o programa como um tempo de antena do PCP (partido ao qual ele disse já ter pertencido, confessando-se agora um admirador do PS e de José Sócrates).
Entendia o ouvinte que, aliás – e pelo que disse – muda de posto sempre que as «Provocações» entram no ar, que o programa não é democrático, pois, para além de desancar no governo, na maioria dos casos só entrariam em linha comunistas e afins. Para quem, como disse, não ouve o programa – ou raramente o ouve – não deixa de ser curiosa tão definitiva conclusão. Como não deixa de ser curioso o facto de ter entrado em linha e ter dito tudo o que lhe apeteceu. Democraticamente.

Convém dizer, mais uma vez, que as posições que assumonestas crónicas são da minha conta e risco, nada mais pretendendo fazer para além do chamar à discussão factos da nossa vida real, situações que, na maioria dos casos, decorrem dos aspectos sociais e políticos que, em termos nacionais ou internacionais, mexem com a nossa vidinha. Nada mais faço que exprimir críticas e opiniões – que são as minhas – e denunciar situações, muitas delas escandalosas, que fazem da vida dos portugueses um autêntico inferno.
E devo realçar que nunca, na rádio – como nunca, no jornal Outra Banda, que dirigi durante seis anos – fui obrigado a fazer um desmentido, por ter relatado ou comentado factos falsos. Se o ouvinte, apesar de me ouvir pouco, alguma vez me apanhou (ou apanhar) a mentir, agradeço que logo me desminta, pois não gostaria de ser comparado a muitos políticos que conheço, alguns deles primeiros-ministros, ministros e deputados, líderes partidários e outros escroques que fazem da política – e da mentira – o seu ganha-pão. E de alguns deles diz-se fã o tal ouvinte.

Também é preciso dizer, para quem não me conhece, que nunca tive jeito para ser yes men, ou fazer eco da voz do dono, seja lá o dono quem for. E se um dia entender – como é meu direito – participar partidariamente num programa ou num debate público, terei toda a honra em esclarecer que o faço nessa condição.
Porém, na rádio só fala o cidadão João Carlos – por especial deferência da sua direcção, que nada me paga – nem cobra – por esse facto. Depois, telefona quem quer, diz o que quer, e como quer. Se há coisa mais simples do que isto, desconheço. Daí, que eu seja levado a pensar que, bem lá no fundo, o que incomoda o ouvinte é virem a lume coisas que, por ele ser, hoje em dia, simpatizante do PS, bem gostaria que fossem caladas. Pois é. Ainda não há censura, é uma chatice…

Por exemplo:
Eu não devia dizer...

Eu não devia dizer que a crise económica, resultante das políticas seguidas e diariamente agravadas pelo governo de Sócrates, fez duplicar o número de famílias em situações de falência. Em 2006, segundo os últimos dados oficiais, o número de portugueses declarados falidos ascendeu a 635, um aumento de 74,5 por cento face aos 364 casos de insolvências de pessoas singulares registados no ano anterior.

Para o responsável da Associação Portuguesa de Gestores e Liquidatários Judiciais e dos Administradores da Insolvência, Artur Ribeiro da Fonte, não existem dúvidas de que este «é um número muito elevado», a ponto de frisar que tem «conhecimento de pessoas que estão em situações muito, muito, difíceis».

O crédito malparado (de cobrança duvidosa) totalizou 2,201 mil milhões de euros em Julho último, mais 1,8% que no mês anterior. Na verdade, quem vive com ordenados baixos – os mais baixos da Europa, recorde-se – não aguenta o aumento selvático das taxas de juro nem suporta, todos os meses, gastar mais dinheiro para comprar as mesmas coisas – ou menos.

Eu também não devia dizer que todos os dias aumenta o número de bebés que nascem em ambulâncias, nem que milhares de pequenos alunos são agora obrigados a levantarem-se de noite – e a chegarem a casa de noite – porque são forçados a frequentar escolas que ficam a quilómetros das suas residências.

Eu não devia dizer que nunca tantos portugueses (aos milhares) saem todos os anos de Portugal, para procurarem no estrangeiro uma vida melhorzinha, fartos que estão de cheirar a miséria que por aí alastra.
Eu também devia fingir que não sei que nas últimas décadas, onde a governação do PS teve peso decisivo, Portugal perdeu 40% da sua frota de pesca. Com o forte contributo da política de reestruturação e de abate financiada pela União Europeia, passámos de 14 mil embarcações, em 1986, para as actuais nove mil. Acresce que muitas dos barcos de pesca que sobrevivem foram compradas por espanhóis. E que mais embarcações vão ser abatidas nos próximos tempos, já que o plano de recuperação de pescada e lagostim implica a redução dos dias de pesca permitidos anualmente (menos 10%). E consequentemente o abate de mais navios. Assim, eu devia esconder que em apenas duas décadas perdemos 20 mil pescadores (alguns foram trabalhar para Espanha) e que, com uma costa destas, sejamos obrigados a comprar peixe aos espanhóis, que pescam o que querem e onde querem.

Talvez eu devesse estar muito contente – e até dar pulos de alegria – por Sócrates anunciar a abertura de um balcão onde se pode dirigir quem tiver perdido a carteira, e logo ali lhe passarem novos documentos.
Tantos balcões por abrir...
Mas o que gostava, era que Sócrates, que abriu o tal balcão chamado «Perdi a Carteira», abrisse outro ao lado, chamado «Perdi o Emprego», e outro logo a seguir, com o título «Perdi a minha Casa», e mais outro, muito grande, pois iria ter milhões de utilizadores, chamado «Perdi o meu Poder de Compra».
E ainda outro, que deverá chamar-se «Perdi o meu Centro de Saúde», ao pé de outro que seria «Perdi a minha Maternidade», e outro ainda, chamado «Perdi a minha Escola». E como o país perde, todos os dias, capacidade produtiva, porque as fábricas fecham, a agricultura definha, as pescas agonizam e estamos, cada vez mais, dependentes dos interesses e da vontade do estrangeiro, logo à frente de todos estes balcões, estaria o principal, com um grande letreiro lá no topo, onde se leria: «Perdi o meu País»

E, já que os balcões, pelos vistos, são como as cerejas, sugiro o mais triste de todos os balcões, que se chamaria, simplesmente, «Perdi a Esperança».

E – porque não? – mais um balcão apenas destinados a Sócrates e à sua troupe? Com que nome? É fácil. Chamar-se-ia apenas: «Perdemos o Vergonha».

9.22.2007

O homúnculo, «matou» Mandela


O grande líder do mundo livre zurrou outra vez

Mas o «mundo livre» - a começar pelos EUA - não merece melhor. Bush é o líder que merecem todos aqueles que aceitam os EUA como o novo Reich que dominará o mundo para todo o sempre.

Vamos à última alarvidade. Farto de matar em todo o lado - só no Iraque e no Afeganistão o número de vítimas civis ronda o milhão - e convencido que a sua receita para acabar com os fogos (que é cortar todas as árvores) também se aplica na sua geoestratégia de dominação mundial, Bush, o homúnculo, está convencido que o extermínio - a morte - é o caminho para a concretização dos seus desígnios imperiais. Assim, concluiu que Mandela já não existe. «Mandela está morto, porque Saddam Hussein matou todos os Mandelas», zurrou o imbecil.

Em todo o «mundo livre», os seus fiéis lacaios fingiram que não souberam de nada. É que se a profissão de lacaio já é uma coisa humilhante, ser lacaio duma besta destas é, de facto, a aviltação completa.



9.18.2007

Libertai-vos uns aos outros


Um Código à maneira…

Passado um breve período de ausência (que, a dada altura, me pareceu demasiado longo) verifico que voltei ao ramerrão de uma vida sem graça – ou, dizendo melhor – à desgraça de uma vida que todos os dias piora.

Farto disto, andei por sítios que, não sendo propriamente locais perdidos no meio de nada, ainda assim me permitiram um certo alheamento do que se ia passando no planeta Terra e – principalmente – neste local pouco recomendável chamado Portugal. Tentei, esforçadamente, desligar dos jornais e da televisão, razão porque regressei mais calmo. Contudo, mal caí na realidade, rapidamente perdi o sossego mental entretanto adquirido e a náusea voltou a ser a companheira do meu quotidiano. O problema é que não consigo alhear-me das coisas. Nem devo. Nem quero.
O grande cozinhado europeu

Caio, então, na vida real e reparo que andam por cá umas senhoras e uns senhores muito bens vestidos, comendo, bebendo e passeando à custa do orçamento, conversando e rindo muito, enquanto, pelo meio, discorrem sobre as voltas que pretendem dar às nossas vidas. A sua preocupação final, segundo vão tentando não dizer, é impor um novo tratado que regule o espaço comunitário, transformando-o num feudo dirigido pelas grandes potências e, consequentemente, pelos interesses económicos que nelas estão baseados.

No fundo, nada mais pretendem do que transformar a Europa num espaço regido ferreamente pelos interesses do grande capital, transformando a «outra parte» - ou seja: os milhões de seres humanos que vivem do seu trabalho – numa enorme massa obediente e manietada aos ditames da chamada economia de mercado. Os aspectos sociais e, de uma maneira geral, todos os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos europeus ficariam dependentes da vontade dos potentados económicos, perante os quais – e no caso concreto de Portugal – se esgotariam todos os vestígios de nossa independência e da nossa soberania.
Declaração Universal dos Direitos Humanos? O que é isso?

Se atentarmos bem no que aqui e ali vão dizendo, ouviremos que defendem, já sem qualquer indício de vergonha ou cuidado, que nenhum serviço público é sagrado, legítimo ou, sequer, compreensível, salvo se for aberto aos interesses da iniciativa privada. Dito de outra maneira: do nascimento à morte, todos os seres humanos devem ser fonte de lucro para um qualquer grupo económico. Ou seja: o primado do lucro sobre o direito à vida. Os Direitos Humanos, tal como a sua Declaração Universal os proclama, só prevalecem enquanto couberem no saco de interesses da oligarquia financeira global.

Talvez para que isto não se discuta, nem se compreenda em todo a sua criminosa dimensão – e para evitar que suceda o que sucedeu em França e na Holanda – os grande «democratas» que dirigem os nossos destinos, fogem do referendo ao novo/velho tratado como se diz que o diabo foge da cruz.
Sócrates (em cuecas) vai ao beija-mão

No meio disto tudo, Sócrates arranjou tempo para ir ao beija-mão a Washington. Deu a sua pública e ridícula corridinha em cuecas, para gozo de George Bush, esse atrasado mental que, como criminoso de guerra que é, já devia estar enjaulado e à espera, no mínimo, do destino que teve Saddam. Afinal, é bom não esquecer, que os crimes pelos quais Saddam foi executado tiveram lugar enquanto ele era um amigo de peito dos EUA, e com armas e métodos fornecidos pelos próprios norte-americanos.
Afinal, era a sede de petróleo...

Falando disto, não posso deixar de me referir ao que escreveu agora o insuspeito Alan Greenspan, até há pouco presidente do Banco Central norte-americano, o equivalente ao nosso Banco de Portugal. Escreveu ele, entre outras coisas, que «foi a sede de petróleo que provocou a guerra no Iraque». No seu livro «A Idade das Turbulências», Greenspan afirma literalmente: «Sinto-me triste por ser politicamente inconveniente reconhecer o que todos sabem: que a guerra no Iraque é, em boa parte, sobre o petróleo».

Para mim – e, certamente, para todos os que me ouvem ou lêem – nada disto é novidade. Por isso, aqui me sinto tentado a repetir que Bush é culpado de crimes contra a humanidade e, com ele, todos os que, de um modo ou de outro, apoiaram – e apoiam – por acção ou omissão, as suas sangrentas aventuras.
Um código muito conveniente

Domesticamente, o que se discute, hoje em dia, é o novo Código do Processo Penal. A confusão é tremenda. Se, por um lado, há quem defenda que a prisão preventiva é uma pena efectiva que pode estar a ser aplicada a alguém inocente (já que a sua culpabilidade ou inocência só serão decididas em julgamento), a estranha verdade é que criminosos condenados, só porque recorreram da pena aplicada, são, automaticamente, considerados presos preventivos enquanto não for julgado o seu recurso. Assim – e porque as novas disposições do CPP, que agora entrou em vigor, obrigam a uma maior burocracia, conforme já referiu Maria José Morgado, e porque o tempo limite de prisão preventiva foi substancialmente encurtado – criminosos perigosíssimos e já condenados por crimes hediondos, podem ser devolvidos – e alguns já foram – à liberdade plena.

De facto – e para já – um traficante condenado a 9 anos de prisão por tráfico de estupefacientes deixou o Estabelecimento Prisional do Porto, no sábado. Saiu com Termo de Identidade e Residência, a mais branda medida de coacção prevista na lei. Note-se que o traficante tinha um recurso pendente no Supremo Tribunal de Justiça, depois de o Tribunal da Relação ter confirmado o acórdão da primeira instância.

Outro beneficiário do novo CPP foi o tristemente famoso Fábio Cardoso, condenado por violar o enteado até à morte (uma criança deficiente, com seis anos de idade). Os juízes soltaram-no no sábado, tudo porque o criminoso ainda espera decisão do seu recurso e o prazo de prisão preventiva foi reduzido para dois anos. Mas porque raio é que um criminoso já condenado é considerado um preso preventivo só porque interpôs recurso, é coisa que ainda ninguém me explicou, já que na maioria dos países, conhecida a sentença, o arguido é preso e termina a prisão preventiva. Praticamente, só em Portugal a preventiva continua até a sentença transitar em julgado. Enfim…
O paraíso para os crimes de colarinho branco

Mas talvez nem seja para os criminosos – grandes ou pequenos – de faca e alguidar que o novo CPP foi pensado. Segundo muitas opiniões, quem vai beneficiar das novas disposições legais serão os envolvidos na quase totalidade dos processos de crime económico, corrupção e de outros crimes complexos, que poderão vir a ser arquivados na sequência deste novo CPP. Carlos Anjos, presidente da Associação Sindical dos Funcionários de Investigação Criminal da PJ, tem uma expressão para classificar a situação «É o descalabro total».

Em causa estão os prazos que a nova lei prevê, bastante mais reduzidos, a que se agrega a falta de recursos humanos para apoio à investigação. «São processos normalmente morosos, que não se coadunam com os tempos de investigação que a nova lei prevê», apontou o presidente da ASFIC. Muitos dos processos estão no Ministério Público, que os está a avaliar – um por um – à luz da nova lei. «Ou acusa ou manda para arquivamento, mas é muito provável que o destino da quase totalidade seja o arquivamento. É difícil, para já, avançar um número, mas podemos falar em 70 a 80%».O novo CPP reduz para oito meses a investigação, mas Carlos Anjos alerta que «isto é manifestamente insuficiente», tanto mais que, a par da complexidade dos casos, há o problema da falta de recursos, em particular a nível das perícias. «Só há, em todo o país e para todos os processos, 30 peritos financeiros, o que já de si atrasa em média os processos nove a dez meses».

Entrevistado pelo CM, Carlos Anjos realçou outro aspecto preocupante do novo CPP. Na sua opinião, e dado que com o novo Código os prazos de investigação serão de seis meses para crimes simples e de oito meses para a criminalidade organizada, a «Assembleia da República matou a investigação. Ao aprovar o Código, não teve em conta que uma perícia de laboratório demora, em média, nove meses e uma financeira quatro meses». Exemplifica, dizendo que «no caso Freeport estamos à espera há dois anos de informações do Reino Unido e no chamado caso João Pinto esperamos há oito meses uma resposta do Luxemburgo. Assim, terminados os prazos o que acontece é o arguido, detido ou solto, poder consultar a investigação realizada pela Polícia Judiciária e assim arruinar o trabalho. O advogado do arguido pode ainda realizar diligências, como pedir uma carta rogatória no estrangeiro – cuja resposta sabe que vai demorar meses a obter – para fazer com que os autos acabem por ser arquivados. Isto dá cabo de toda a investigação».

PS prevenido vale por dois

Também a impossibilidade de os jornalistas publicarem o teor das escutas telefónicas, mesmo daquelas que já tenham sido divulgadas em tribunal, parece uma medida orientada para proteger casos semelhantes aos do Apito Dourado e Casa Pia. Aliás, o próprio Partido Socialista está agora sob sérias suspeitas de estar ligado a actividades ilegais no Brasil, relacionadas com o financiamento das suas campanhas junto do círculo da emigração. Resta saber se o teor das escutas telefónicas realizadas pelas autoridades brasileiras no âmbito deste escândalo, também estará sujeito ao sigilo imposto aos casos julgados pelas autoridades portuguesas.

Mas o que fica disto tudo, para além de um claro incremento dos índices de insegurança em que vivemos, é que o novo CPP foi feito à medida dos interesses dos criminosos de colarinho branco – essencialmente os que se dedicam ao crime económico e à grande corrupção.

O que não admira, sabendo nós quem são eles, onde estão instalados e em que círculos se movem.