7.10.2022

 


Na hora da despedida…

Carta Aberta a Joaquim Santos

(o ainda) Presidente da Câmara Municipal do Seixal

 

Desde a constituição das listas para as autárquicas de 2021, só os eleitores do Seixal mais atentos e informados – isto é: os munícipes mais aptos (e que, infelizmente, não são assim tantos como seria desejável) para avaliar os ardis partidários – é que perceberam que você não iria terminar o Mandato ao qual se apresentou, como cabeça de Lista, pela CDU, à presidência da autarquia.

 

Por estar bem informado, não fui um dos enganados.

 

- Primeiro, porque, no quadro geral de candidatos ao cargo, nem um merecia o valor do papel do meu voto, nem o tempo que gastaria a deslocar-me às urnas;

 

- E segundo, porque, ainda que você merecesse o meu voto, eu já sabia que o futuro presidente da CMS não se chamaria Joaquim Santos (caso vencesse as eleições), mas que isso estava reservado à segunda figura dessa lista, passados que fossem alguns meses sobre a tomada de posse. E até sei que essa figura não foi nada consensual.

 

Aproveito para revelar o outro motivo que também me levou à abstenção, já que poderia ir às urnas, nem que fosse para votar branco ou nulo: foi tirar argumentos maliciosos às pessoas de mau carácter – que abundam nas diversas tribos partidárias – e que logo aproveitariam para garantir que eu votara em qualquer outra força política, pela qual teria renegado a minha ideologia. Abstendo-me, cortei o mal pela raiz.

 

Esclarecido que está este aspecto, vou começar pelo seu inquestionável mérito enquanto presidente da CMS, o qual me parece consensual:

 

Você é o tecnocrata que se dedicou a sanear – a pôr na devida ordem – as contas da Autarquia que herdou de Alfredo Monteiro. Ponto!

 

Mas não lhe reconheço mais nenhum mérito. Ou melhor: para além disso – que não foi pouco, admito! – direi que passou por cá como figura pardacenta, sem carisma, sem humildade, sem empatia, sem ligação real e afectiva à população e aos trabalhadores autárquicos. Nunca foi aceite – e, muito menos, sentido – como coisa nossa. Do Povo, como se costuma dizer.

 

Como gestor dos recursos humanos foi um patrão do piorio. Rancoroso, vingativo e incapaz de gerar – ou gerir – consensos; tem em tribunal vários processos que o obrigam a ordenar recursos sobre recursos, pois não passam de causa perdidas, que os contribuintes vão ser obrigados a pagar no final das contas.

 

Tem sido um maná para escritórios de advogados, com tudo o que isso implica.

 

Não foi, em suma, um autarca comunista, como Alfredo Monteiro já não o tinha sido. E não é. Foi mais um presidente de câmara igual a muitos outros que abundam pelo país fora, e em momento algum houve em si a marca distintiva de um edil comunista. Há autarcas de várias forças políticas perfeitamente idênticos a si, aos quais só os correligionários conseguem tecer elogios.

 

Empatia com a população? ZERO!

 

Melhor que Monteiro? Era fácil!

 

Aliás, desde as eleições autárquicas de 1998 que a gestão municipal passou, no Seixal, a ser uma coisa híbrida, sem chama, sem alma, sem amor e dedicação, estribada – ou valendo-se – apenas, na tradição democrática do Concelho do Seixal e na fidelidade do seu eleitorado, assim desgastando e corroendo a imagem e o património material e imaterial – ideológico, se preferirmos - deste concelho, construído, desde o 25 de Abril, por autarcas nos quais toda a população se revia.

 

Ou seja: não basta ser bom nas contas. É preciso não entender a gestão autárquica como um altar, uma varanda ou um pedestal de onde se exerce o PODER e se debitam umas ave-marias. Não basta atingir o alvo.

 

Aquilo a que um autarca deve aspirar não é, apenas, a ganhar as eleições. É, acima de tudo, usar essa vitória para, através do seu trabalho, se afirmar como «AQUELE QUE SERVE».

 

E aquele que serve não é «O SENHOR PRESIDENTE», mas «ALGUÉM QUE APENAS EXERCE ESSE CARGO» em nome e a favor da sua população sem, no entanto, deixar de ser o cidadão em que os seus concidadãos confiaram.

 

Você, Joaquim Santos, nunca foi capaz de ser um de nós, nem aquele a quem a população deu a honra de estar a defendê-la, contra tudo e contra todos, em cada dia do seu mandato. 

 

Na última Assembleia Municipal (27 de Junho de 2022) quis, essencialmente, não o deixar abandonar o cargo sem o confrontar com a forma desgraçada como compactuou com as agressões contra o Meio Ambiente e contra a Saúde Pública (depois veremos se irão ser crimes ambientais, como se julga, havendo fortes indícios disso mesmo) praticadas, ao longo dos anos, por uma empresa – a SN-Seixal, SA, do Grupo Espanhol MEGASA – que você sempre protegeu extremosamente.

 

E fê-lo em três fases muito bem definidas:

 

Primeiro, negando, até ao limite do mais absurdo descaramento, a existência desses atentados ambientais;

 

Segundo, sacudindo a água do capote, quando a negação deixou de ser possível, despachando toda e qualquer capacidade de intervenção para a administração central, da qual já sabia que nenhuma resposta iria haver. Era notório, já nessa altura, como a administração central e a administração local se completavam na protecção ao infractor. 

 

Terceiro, (e fê-lo sempre em vésperas de eleições – 2017 e 2021), fingindo assumir as suas responsabilidades, que reiteradamente, até aí, se negara a assumir, sabendo que, dessas iniciativas, nenhum resultado sério se obteria, porque as regras do jogo estavam – e estão – viciadas.

 

Nessa sessão da Assembleia Municipal antes referida, pretendi, ao mesmo tempo, colocá-lo perante um espelho que reflectisse aquilo que definiu o seu mandato à frente da Câmara Municipal do Seixal.

 

Questionei-o sobre a falta de resposta a um requerimento apresentado por Os Contaminados – Associação de Protecção do Ambiente e da Qualidade de Vida, nos seguintes termos:

 

«No dia 9 de Setembro do ano passado enviámos à Câmara Municipal do Seixal um conjunto de dez questões relacionadas com a remoção de resíduos resultantes da atividade siderúrgica. Dias depois a Câmara respondeu-nos dizendo, e cito, “a Câmara Municipal do Seixal está a reunir, junto da Baía do Tejo, a informação requerida pela V/ Associação sobre as operações realizadas e resíduos removidos, a qual será remetida com a maior brevidade possível”.

 

Pois bem, Sr. Presidente, passaram nove meses desde a V/ resposta e continuamos a não ter eco às perguntas colocadas, pelo que lhe perguntamos:

 

- O porquê de ainda não termos essa informação e,

 

- O que tem feito a Câmara Municipal para - mesmo sendo aquela uma incumbência da Baía do Tejo - resolver o problema?

 

Mas já que estamos aqui, aproveito também para lhe falar de outro tema relacionado com o passivo industrial do concelho e com a acção, ou inacção, da Câmara Municipal: os estudos epidemiológicos.

 

Passados todos estes anos - e relembro que este assunto já faz para o ano dez anos - continuamos a não ter resposta à pergunta que se impõe:

 

Quantos casos de Carcinoma de Pulmão e Doença Pulmonar Obstrutiva Crónica ocorreram entre a população de Aldeia de Paio Pires e trabalhadores e antigos trabalhadores da MEGASA, só nos últimos 30 anos?

 

É bom que se esclareça o seguinte:

1.  NINGUÉM, residindo perto da SN/MEGASA, ou nela trabalhando, ou tendo trabalhado, foi alvo de qualquer exame à sua condição de saúde, no âmbito de qualquer estudo;

2.  No estudo realizado, a população de Aldeia de Paio Pires, que ronda as 15 mil pessoas, foi metida num pacote de avaliação com cerca de 50 mil indivíduos;

3.  Foi passada à população a ideia “de que a exposição aos poluentes identificados, não constitua um risco maior para a saúde”.

4.  Esqueceram-se foi de referir algo que o Prof. Pedro Aguiar igualmente disse (e disse-o logo de seguida) – e citamos: “que também não se pode inferir, de forma definitiva, que a exposição aos poluentes identificados, NÃO constitua um risco maior para a saúde”;

 

Por isso, Sr. Presidente, o que lhe perguntamos é:

 

a)  sabe ou não a Câmara Municipal quantos casos de Carcinoma de Pulmão e Doença Pulmonar Obstrutiva Crónica ocorreram entre a população de Aldeia de Paio Pires?

b)  Para quando os Estudos Médicos que, após a inconclusividade dos realizados, o senhor prometeu?».

 

Em resposta, fiquei a saber que os novos Estudos Médicos por si prometidos à população de Aldeia de Paio Pires, dado os realizados terem sido inconclusivos, JÁ NÃO SERÃO FEITOS.

 

E que você ainda considera que os Estudos anteriores garantiram que não há provas de que a saúde da população esteja a correr riscos devido à poluição a que está sujeita.

 

Sou obrigado a chamar-lhe, sem medo de me enganar, mentiroso e pessoa sem palavra.

 

Você mentiu à população que jurou defender, pois, face à inconclusividade dos estudos realizados, afirmou que iria promover novos estudos, desta vez com base em dados adequados para o efeito.

 

Você, sem mais explicações, faltou, também à sua palavra.

 

Você manteve – ainda – a afirmação falaciosa de que os estudos médicos realizados concluíram que nada indicava que a poluição emitida pela SN-Seixal, SA, da MEGASA, tivesse efeitos negativos na população de Aldeia de Paio Pires.

 

Você sabe, Joaquim Santos que os estudos acrescentam que também «NÃO SE PODE dizer o contrário».

 

Em tempo de despedida, responda-me, Joaquim Santos (a mim e à desprezada população de Aldeia de Paio Pires):

 

- Que estranho poder é esse que a administração da MEGASA tem sobre si para levar um autarca comunista – digamos assim – a mentir e a faltar à sua palavra?

 

- Não considera uma traição à sua população – e, eventualmente, aos seus valores morais e ideológicos – tudo ter feito, ao longo de anos a fio, para negar a realidade que aqui se vive?

 

- Não acha uma tristeza pôr em causa a sua própria honorabilidade nessa pulsão cega de proteger um Grupo Económico que atenta, diariamente, contra a Saúde Pública e o Meio Ambiente?

 

- Porque se negou a colocar, permanentemente, Estações de Medição da Qualidade do Ar e do Ruído, entre a fábrica e a sua (desculpe se o pronome possessivo é inadequado) população?

 

- Iria isso contra os interesses da MEGASA?

 

- Porque não mandou recolher – e enviar para análise, em entidade certificada – as partículas que todos nós apanhamos, engolimos e respiramos?

 

- Porque nunca admitiu a hipótese de, com os dados existentes – que provavam que a fábrica emite partículas potencialmente cancerígenas – recorrer aos tribunais?

 

- A MEGASA zangava-se consigo?

 

- O que o levou a mascarar a poluição com origem na fábrica da MEGASA, com uma fantasia muito abrangente e colorida, chamada «poluição da actividade industrial»?

 

- Foi a MEGASA que exigiu? Ou foi de borla?

 

- Alguma vez supôs, em 2014, que, decorridos oito anos, ainda existiriam pessoas que não se cansariam de lutar e que não se deixariam enrolar com manobras dilatórias, cada uma delas mais repelente que as anteriores?

 

- Você, Joaquim Santos, vai-se embora sem ter aprendido a mais elementar premissa que aprendeu um grande autarca comunista:

 

«Tudo – mas absolutamente TUDO – o que acontece no Concelho do Seixal, diz sempre respeito à Câmara».

(Eufrázio Filipe)

 

Desejo-lhe, mesmo a acabar, que o seu futuro job (consta por aí que vai ser director executivo numa coisa chamada Transportes Metropolitanos de Lisboa), possa merecer mais atenção da sua parte do que aquela que a população de Aldeia de Paio Pires mereceu.

 

 

João Carlos Lopes Pereira.

Cidadão