10.16.2007

Che, cegos e canalhadas

Assim se vive, assim se vota



Dos milagres e das cegueiras




No dia 9 de Outubro de 1967 – passaram agora quarenta anos – um homem, chamado Mário Teran, sargento das forças armadas bolivianas, aponta a sua arma a outro homem, preparando-se para assassiná-lo. Antes da rajada de metralhadora ceifar a vida ao prisioneiro indefeso, este diz-lhe: «É melhor assim. Nunca deviam ter-me capturado vivo… Diz a Fidel que em breve assistirá a uma revolução triunfante na América. E diz à minha mulher que volte a casar e que tente ser feliz. Sei que vens matar-me. Dispara, cobarde, só vais matar um homem!»




O outro disparou e Che Guevara morreu.




Aqui há poucos dias, os jornais e a televisão noticiaram que algumas dezenas de portugueses, residentes em Vila Real de Santo António, estavam a caminho de Cuba – da Cuba, de Fidel – para ali serem operados às cataratas, pois, em Portugal – no Portugal de Sócrates e Correia de Campos – arriscavam-se, nas listas de espera, a cegar. Pela mesma altura, alguns doentes operados às cataratas, num hospital qualquer deste país, acabaram, em vez de curados, por cegar de um dos olhos, enquanto outros, segundo os familiares, ficaram pior do que estavam. O hospital lava as mãos e responsabiliza algum dos doentes, que teria levado a infecção consigo. A cretinice bateu o seu recorde pessoal, e a culpa, essa, morreu como sempre morre em Portugal: solteira.




Ora, neste preciso momento, decorre em diversos países da América Latina uma iniciativa chamada «Operação Milagre», que mais não é que um programa cubano de assistência oftalmológica gratuita, destinado a pessoas que, por falta de posses, cegaram, ou estão em vias de cegar.




Não é milagre – salvo no Portugal de Sócrates e Correia de Campos – recuperar a visão de pessoas afectadas por certos tipos de cegueira, pois o desenvolvimento técnico-científico dos nossos dias já o permite com alguma facilidade. O milagre – dos verdadeiros, dos palpáveis, dos visíveis, e não os embustes milagreiros que por aí, de vez em quando, se festejam – está no facto de um país – Cuba – usar os seus recursos e conhecimentos para ajudar, noutros países, aqueles que precisam.




Há quem ajude os povos à bomba, como os EUA. Cuba fá-lo com médicos e generosidade. É que, por esse mundo fora, onde milhões de pobres só têm utilidade enquanto podem vender barata a sua força de trabalho, mal uma enfermidade, como a cegueira, os afecta, logo passam a coisa inútil e lançada para a sarjeta. É, então, este o milagre que está a acontecer em vários países da América Latina, onde equipas de cirurgiões oftalmológicos cubanos devolvem a visão a milhares de seres humanos.


A cegueira e a cegueira de Mario Teran


E por aqui ficaríamos em termos de cegueira, não tivesse acontecido que, durante a visita de uma destas equipas a Santa Cruz, a segunda maior cidade da Bolívia, lhes apareceu, para ser operado às cataratas, um certo Mário Teran, exactamente o mesmo Teran que, quarenta anos atrás, havia assassinado Che Guevara. Claro que o assassino do Che não se apresentou com o próprio nome, eventualmente com medo de não ser, sequer, observado. Mas foi o filho, que o acompanhava, quem decidiu, ao manifestar o seu reconhecimento aos médicos cubano, revelar a verdadeira identidade do pai, que, naturalmente, foi operado e recuperou a visão.



A este propósito, escreveu o jornal cubano Granma: «Teran, agora na reforma, poderá apreciar de novo a cor do céu e da floresta, conhecer o sorriso dos seus netos (…). Mas nunca será capaz de ver a diferença entre as ideias que o levaram a assassinar um homem a sangue frio e as ideias desse homem».

Bando de malfeitores


Se esta crónica acabasse aqui, acabava muito bem. Acontece, porém, que foi divulgado o OGE para 2008, e ficámos a saber que vem aí pior – muito pior – do mesmo. Num país onde, em pleno Dia Mundial da Alimentação, se fica a saber que há cada vez mais pobres a pedir ajuda, e que o seu número deve rondar os dois milhões, não posso ficar calado perante esse facto. Se o fizesse, estaria a ser, de certo modo, mais um sargento Teran, ou seja, um reles lacaio – ainda que por omissão – de Sócrates e do seu bando de malfeitores políticos e sociais.


Talvez alguns achem que uso frequentemente, palavras excessivas, como estas. Bando e malfeitores.


Mas não serão malfeitores aqueles que, mesmo por via legal, vão atacar os já parcos rendimentos de milhares de reformados, agravando-lhes a carga fiscal?


Não são malfeitores aqueles que, pela via orçamental, vão agravar o IRS aos deficientes?


Mas não serão malfeitores aqueles que fixam taxas de inflação inconcretizáveis, para poderem continuar a corroer o poder de compra de milhões de portugueses, já que todos sabemos, até os mais cegos de entre os cegos, que a inflação anunciada é sempre muito inferior à inflação depois verificada?


Mas não serão, para além de malfeitores, reles mentirosos, aqueles que afirmam ter cumprido a redução do défice, mas apenas porque se «esqueceram» de incluir nas contas os muitos milhões de euros que o Estado deve aos seus credores, habilidade esta seguida por algumas câmaras, tão caloteiras quanto o Governo?


Mas não serão malfeitores aqueles que, para controlarem o défice, em vez de reduzirem os benefícios fiscais aos grandes grupos económicos, preferem fechar escolas, centros de saúde, maternidades, urgências, tribunais e postos da GNR?


Não serão malfeitores, aqueles que, ao elaborarem um Orçamento Geral do Estado, agravam a injustiça fiscal, porque as receitas dos impostos indirectos, que são os mais injustos, vão aumentar muito mais do que as receitas que têm como origem os impostos directos? E, que ao fazê-lo, em vez de obrigar a pagar mais impostos aqueles que mais ganham, vão obrigar a pagar, rico e pobre, o mesmo imposto sobre aquilo que se é obrigado a comprar?


Ó cegos do meu país, abri os olhos! Ó dois milhões de pobres, reclamai o que é vosso e uni-vos à gente honrada e solidária – que não sendo cega nem pobre – há muito que reclama o fim desta política, que tem tanto de canalha como de desumana.


E depressa, antes que estes vampiros – em tudo iguais aos outros que o Zeca cantava – comam o que resta.

4 comentários:

Anónimo disse...

Já era fã do que escrevia, agora sou cada vez mais. Eu sei que há quem não goste, mas a verdade tem dessas coisas. Não agrada a quem toca. Quanto às palavras, elas nunca são demasiado fortes quando aplicadas a preceito.
Ler estes textos faz-nos bem.
Continue.
Maria dos Anjos

Anónimo disse...

Enquanto no Portugal democrático a saúde apodrece, em Cuba (terrível ditadura), os serviços de saúde tratam gratuitamente dos cubanos e dos outros povos.

Toda a gente sabe ler e escrever e ninguém é engenheiro sem ser.

E ninguém se serve do Partido para se desenrascar na vida, porque só os melhores cidadãos podem aspirar a ser membros do PCC.

É preciso dizer mais alguma coisa?

Eduardo P.

São disse...

Meu querido,gratíssima.
E ainda bem que voltaste. Em grande, como sempre.
Também escrevi sobre "Che" e Adriano.
Agora vou ver"A Guerra", na RTP.
Abraço grande.

Anónimo disse...

Vocês acham que isto vai lá com palavras? Vocês não percebem que a UE e o tratado que aí vem não são mais que um par de algemas, uma mordaça e um chicote para aplicar aos povos europeus, sob o comando do grande capital?

Acham que isto vai lá assim, com patuá e mais nada? Isso é o que eles querem, que a malta desabafe assim, e por aqui se fique.

Não se iludam, seus tolos.