10.23.2007

O Tratado de Lisboa



Porreiro, pá!


Assim que a chamada Cimeira de Lisboa amanhou o Tratado Europeu, o «engenheiro» Sócrates abraçou-se a Barroso e disse: «Porreiro, pá!».

Ali perto, nas ruas do Parque das Nações, mais de 200 mil manifestantes, unidos numa das mais poderosas manifestações de que há memória, não eram da mesma opinião, e gritavam-no bem alto. Eles sabem que não é porreira a vida de milhões de portugueses, e que não ficará mais porreira se o Tratado for posto em prática.

Aquele «porreiro, pá!», que Sócrates não conteve, soou-me aos ouvidos, educados por muitos anos de convivência com cretinos desta e doutra natureza, com uma expressão da nossa gíria, que viria muito mais a propósito. «Já os lixámos, pá!». Mas não serei eu que vou estragar a festa ao primeiro-ministro, que, de tanta excitação, até o seu habitual ar pardacento adquiriu uns leves tons rosados.

Deixem-me, por isso, embarcar no clima festivo que a criatura deu à mascarada há muito cerzida nos bastidores mais bafientos da Europa e, indo para além do Tratado de Lisboa, exclamar o meu «porreiro, pá!» por muitas outras vitórias deste brilhante estratega do reaccionarismo nacional, ao pé do qual Salazar e Caetano se sentiriam definitivamente chocados. E não por não terem conseguido fazer tanto, mas porque até eles tinham limites para a bestialidade anti-social em que Sócrates é mestre.

Então, porreiro, pá!, porque a partir deste Tratado Portugal será uma colónia insignificante de uma Europa Federal, comandada por alemães e franceses, e totalmente entregue aos interesses do capitalismo selvagem que, por via do Tratado, imporá as regras do jogo, das quais a flexisegurança é apenas uma pequena e pálida amostra.

Porreiro, pá!, porque a tua fúria destruidora de tudo o que é serviço público, e que tem sido a imagem de marca e o denominador comum das tuas medidas como dirigente máximo do Partido Socialista – e a que chamas, cinicamente, «reformas modernizadoras», – passará a ser culpa do Tratado e, consequentemente, do Parlamento Europeu, essa coisa que os europeus não conhecem e os portugueses não querem, sequer, conhecer.

Porreiro, pá!, pois com a tua grande vitória, tentarás esconder que criaste, em Portugal, a sociedade europeia de maior desigualdade, um país onde dois milhões vivem já abaixo do nível da pobreza, e à qual regressou, pela tua mão, um feudalismo de novo tipo.

Porreiro, pá!, porque já podes demolir a Educação e a Saúde, enquanto serviços públicos, a um ritmo ainda mais vertiginoso e desumano. E investir mais contra os reformados e deficientes. E fechar mais maternidades, urgências, centros de saúde, escolas, tribunais e postos da GNR.

Porreiro, pá!, porque um político capaz de fazer aprovar um Tratado que dá ao capitalismo as rédeas de todo o poder, pode tratar a Função Pública – e, nomeadamente, os professores – abaixo de cão, enquanto os restantes trabalhadores não passarão de vermes inqualificáveis.

Porreiro, pá!, porque agora sentes as mãos ainda mais livres para privatizar o que resta, desde a água aos correios, dos cemitérios às estradas e caminhos, sem esquecer o ar, logo que os teus amos e senhores capitalistas encontrem maneira de o armazenar e distribuir.

Porreiro, pá!, porque sendo tu um tipo com tanto poder, já podes mandar entrar a polícia em qualquer sítio, principalmente nos sindicatos. Ou, de madrugada, em casa de qualquer cidadão, desde que, nalguma escuta telefónica, daquelas que são decididas em certos gabinetes, de um certo andar, de um certo edifício da Rua Gomes Teixeira, tenham gravado algumas palavras menos compreensíveis, que rimem com bomba ou que acabem em ismo.

Porreiro, pá!, porque a agricultura foi destruída ou arruinada e as melhores terras, sobretudo no Alentejo, já são estrangeiras.

Porreiro, pá!, porque somos um Estado parasita, que consome muito mais do que produz, já que a indústria está controlada por interesses estrangeiros, ou morreu de morte macaca, e das pescas nem é bom falar.

Porreiro, pá!, pois os escândalos da banca já não são apenas os dos seus enormes lucros, mas outros mais ajardinados, que não passarão, aliás, de pontinhas de icebergues.

Porreiro, pá!, porque o salário mínimo é a vergonha que tu sabes, mas isso até é um mérito para quem convenceu a Europa a assinar um Tratado;

Porreiro, pá!, porque se os salários dos trabalhadores estão ao nível do terceiro mundo, mas já os vencimentos dos gestores são os mais elevados da tua querida Europa.

Porreiro, pá!, porque as falências de pequenas e médias empresas sucedem-se em ritmo nunca visto.

Porreiro, pá!, porque a dívida externa bruta – que quase duplica o produto interno bruto – é já, em valor absoluto, superior à do Brasil, país com 200 milhões de habitantes.

Porreiro, pá!, porque o desemprego cresce como as couves do Entroncamento e o crédito malparado atingiu um nível recorde. Os números são do Boletim Estatístico do Banco de Portugal, dirigido pelo teu amigo e camarada Vítor Constâncio, e revelam que, em Agosto, mais de 2 mil milhões de euros eram considerados incobráveis pelos bancos portugueses. Descontando aqui os do filho do senhor Jardim Gonçalves…

Porreiro, pá!, porque até um dos mais moderados capitães de Abril, Vasco Lourenço, disse, preto no banco: «Se outros indícios não existissem, sem necessidade de constatar os inúmeros retrocessos verificados nos últimos anos, basta-nos olhar para a enorme degradação das relações entre o trabalho e o capital, no que se refere à parte dos salários no rendimento social. Apesar de a riqueza criada por trabalhador ter crescido 41 vezes, entre 1975 e 2004, a parte dos salários no rendimento nacional desceu, no mesmo período, de 59 por cento para 40 por cento». E acrescentou: «Francamente, não foi para isto que se fez o 25 de Abril».




Tás porreiro, pá?



Porreiro, pá!, porque o homem disse mais isto: «a actual situação tem apresentado vários retrocessos nos últimos anos, principalmente porque a maioria dos órgãos de soberania já perderam um pouco a noção do que foi o 25 de Abril», por isso, «as desigualdades sociais aumentaram, os nossos pobres continuam a aumentar, aumenta o fosso entre ricos e pobres e há uma classe média cada vês mais castigada. Portugal está desequilibrado em termos de justiça social face aos primeiros anos após o 25 de Abril». Vasco Lourenço denunciou ainda o «isolamento da classe política-partidária face à população, facto que prejudica a Democracia».

Porreiro, pá!, porque o capitão de Abril é ainda da opinião de que os «partidos políticos se transformaram em agências de emprego», indo mais longe quando diz que «as Democracias Europeias caminham alegremente para o abismo, face à falta de ligação entre eleitos e eleitores, fenómenos com a xenofobia e a imigração ilegal, e a predominância do capital sobre o trabalho».
Porreiro, pá!, porque, pelos vistos, já deste cabo do que restava do 25 de Abril.

Mas tem cuidado, pá! É que tu finges que aqueles 200 mil que te bateram á porta não existem. Existem eles e existem muitos mais. E eu, se fosse a ti, nem era deles que teria mais medo. Quem mais deves temer, pá, são aqueles que ainda não dizem nada, Uns, por medo; outros, por comodismos; outros, por vergonha, já que um dia acreditaram em ti e no teu falso palrar de democrata e socialista. Mas quando a raiva desses se soltar, então, pá, «tás» tramado.

Então, sou eu quem dirá, mas a sério, abraçado à primeira pessoa que encontrar:

PORREIRO, PÁ!

6 comentários:

São disse...

Meu Deus, que as tuas palavras são bandeiras levantadas, gritos acordando consciências!! Como sempre!
Que a primeira pessoa a encontrares seja eu!
A minha modesta contribuição contra esta vergonha vigente , continuo a expô-la no saobanza.
Grande, grande abraço.

Anónimo disse...

Nunca te cales, camarada.

Monte Cristo disse...

Para a São e para o anónimo (muito gostaria que deixasse o nome, mas compreendo, nos dias negros que correm, o anonimato. Volta a ser perigoso, para quem depende, profissionalmente, de certos «democratas» defender a liberdade, a justiça e solidariedade. OU, simplesmete, estar de acordo comigo...).

Mas estou grato pela vossa visita. Continuarei a erguer as bandeiras de sempre, sem ser por interesse pessoal, e a soltar a voz de acordo com a minha consciência e os meus valores.

É preciso não dar tréguas aos neo-fascista vestidos no poder, que precisam de gritar, repetidamente, que são democratas.

O que importa é engrossar a trincheira de Liberdade.

Monte Cristo

O Puma disse...

TUDO CERTO

MAS NÃO SE ESQUEÇA QUE
O PANTOMINEIRO SÓCRATES
EM NEGOCIAÇÕES COM PUTIN
VAI LIBERTAR O KOSOVO
COM RECURSO AOS EXCEDENTÁRIOS NA FUNÇÃO PÚBLICA

Monte Cristo disse...

Caro Puma

Bem-vindo. Fazem falta garras e dentes afiados nestas guerras. A trincheira é a mesma. Vamos a eles!

Monte Cristo

O Puma disse...

ainda bem que aceita

as minhas garras

VOLTAREI AO SEU ESPAÇO

ONDE SE RESPIRA

SEM DEUS NEM AMOS