11.16.2008

Intermezzo VI




Outono

Escrevi na terra molhada o meu nome. E fui no vento.
No hálito da tarde, habitada por folhas inquietas,
persegue-me a nitidez das letras recortadas.
É ali que vou morrer, pressagio,
sem ponta de medo ou emoção.
Creio que os plátanos sabem,
no silêncio obsessivo das raízes,
o local exacto onde o outono cobra os seus tributos.

Resta, então, um silêncio fatigado de desejos magoados,
tela pintada com poalhas e crepúsculos,
uma vontade enorme de ser chão, ou seiva, ou aloendro.
No entanto, um insólito calor corrompe os musgos,
fermenta o vinho novo nos lagares antigos
e, no segredo das colmeias, fervilham sonhos de flores ausentes.

Pressinto a vida emboscada na ilusão da morte.

3 comentários:

Dona Sra. Urtigão disse...

Cheguei por acaso, fui lendo e gostando muito da informação recebida.Agradecida
A pobreza que aparentemente é crescente parece-me que só é a mesma que sempre existiu, decorrente da natureza humana, ou seja, ganância, descaso, egoismo, e que sempre criticamos no outro, mas nada fazemos, pessoalmente pois como tambem é humano, esperamos que o outro o faça, principalmente esperamos que a corja de governantes assuma...a culpa por nossa omissão individual.
a

Graça Pires disse...

"uma vontade enorme de ser chão, ou seiva, ou aloendro" pode ser a raiz que nos prende como se fossemos árvores. Que nos prende à vida ou nos desprende dela... Maravilhoso este teu poema de outono.
Voltaremos a um jardim de plátanos com o luar engatilhado nos olhos...
Um beijo meu amigo de todos os tempos. Gostei do teu regresso.

Mar Arável disse...

A morte não existe

nem o princípio

é tudo uma invenção dos vivos

Força

abraço