2.05.2013


O banqueiro e o seu gás
Ziklon-B
 
 
Quando um banqueiro com o rei na barriga, que julga que a história parou em Portugal e no mundo, se atreve a dizer que os portugueses que ainda não alcançaram o invejável estatuto de sem-abrigo estão aptos a aguentar com mais austeridade no pelo, está dito e confessado, embora involuntariamente, o que é a natureza do sistema capitalista. A sua matriz desumana e predadora.



O homem que lavrou a sentença chama-se Fernando Ulrich. Aqui há uns meses largos, já tinha manifestado outro dos seus pontos de vista, que se resume a isto: um trabalhador deveria poder ser despedido no preciso momento em que a sua entidade patronal entendesse. Desta vez – e em defesa da sua opinião – ainda teve tempo para perguntar a um jornalista: "Se você andar aí na rua, e infelizmente encontramos pessoas que são sem-abrigo, isso não lhe pode acontecer a si ou a mim porquê? Isso também nos pode acontecer”.
Como deveríamos perceber, se não fôssemos uns pobres mentecaptos, ser-se sem-abrigo é algo que pode acontecer, natural e frequentemente, assim como acontece a chuva, uma manhã de nevoeiro ou uma tarde de sol. Acontece porque acontece, não tem causas, a não ser causas naturais. É uma coisa má, mas sem culpados. Um homem pode perder a sua fonte de subsistência e a da sua família, ver-se atirado para a mais profunda miséria, ser transformado num ser humano destroçado a quem nada mais resta do que estender a mão à caridade e dormir entre cartões e plásticos nas arcadas do Terreiro do Paço, mas isso é só porque as coisas são mesmo assim.
Não acredito que Fernando Ulrich não saiba aquilo que Almeida Garrett, aqui há 170 anos, já sabia: que são precisos muito pobres para se fazer um rico. Por outras palavras: que ele, Fernando Ulrich, banqueiro de pança cheia com o dinheiro que é dos outros, é o autor de muitas centenas de sem-abrigo que por aí se esvaem sem pão e sem esperança; que ele, Fernando Ulrich, come, por consequência, seres humanos ao pequeno-almoço, ao almoço e ao jantar; que ele, Fernando Ulrich, é a prova viva de como a sociedade que o enriquece – o sistema político e económico onde medra – é uma máquina infernal de fazer pobres. Que ele, Fernando Ulrich, acha que até se ser um sem-abrigo, é natural que um homem tenha que aguentar aquilo que ele acha que se deve aguentar. E de bico calado. Para quê? Para, por exemplo, ele enriquecer mais com milhares de milhões de euros saídos dos bolsos – e do esforço produtivo – de milhões de seres humanos. 
Portugal é, hoje em dia, um imenso campo de concentração, um Auschwitz moderno, diferindo do outro, do verdadeiro, em alguns pequenos detalhes: não se impede os prisioneiros de saírem, mas apenas para se poupar nas câmaras de gás e nas dores de cabeça; não se usa o gás Zyklon B nem os fornos crematórios: usa-se a Crise; e não se pretende o extermínio total dos prisioneiros: apenas o dos mais fracos e velhos. Os outros, os produtivos, são usados para sustentar Fernando Ulrich e os seus pares.
É verdade: o que é que aconteceu aos carrascos de Auschwitz? Acabaram pendurados numa corda, não foi?


 
 
 
 

5 comentários:

São disse...

Partilhei na minha página de facebook.

Abraço enorme.

Graça Sampaio disse...

Um nojo esse fulano! Só com um balde de m... pela cabeça abaixo!

São disse...

Se quiseres passar pelo "são" verás os comentários lá deixados acerca deste teu estupendo texto.

Abraços, Amigo.

Monte Cristo disse...

Obrigado, São. Hoje em dia, mais do que escrever é, se a coisa tiver algum mérito, divulgá-la. Mais do que nunca, «O QUE FAZ FALTA É AVISAR A MALTA!"».

Abraço.

Paulo disse...

Recebi o seu texto por email de um conhecido meu. Li e fiquei triste por saber que esse conhecido partilhou um texto destes. E fiquei triste porque este tipo de texto me ofende.

Ouvi as declarações do sr. Ulrich e também fiquei surpreendido com elas. Se fosse eu, não as diria, mas compreendi o ponto de vista dele. Conheço pessoas que dizem o mesmo no dia a dia, e ninguém fica indignado, talvez por serem pobres, com rendimentos muito abaixo da média nacional, e quando ouvem as queixas de pessoas como eu, acham que são queixas de pessoas de barriga cheia. O sr. Ulrich é muito rico, daí que se calhar não é boa ideia falar sobre pobreza pois provavelmente não sabe do que fala.

Mas o que me ofendeu não foi falar sobre o sr. Ulrich, foi assumir que a riqueza de umas pessoas é a pobreza das outras. Para mim esta é uma afirmação mesquinha! Tenho 40 anos e sou filho de pais na casa dos 70. Os meus pais têm a 4ª classe e vêm do interior de Portugal. Nasceram e cresceram em aldeias pobres, onde trabalharam desde muito cedo. Emigraram para as colónias e regressaram no 25 de Abril. Começaram novamente, e com trabalho foram "subindo na vida". Hoje, pode-se dizer que fazem parte da classe média alta. Mas ainda trabalham. Todos os dias. Não têm um dia certo para folgas e as férias são mais pequenas que a generalidade da população. Trabalham em dias e horas que muitos desempregados que lhes pedem trabalho não aceitam! Nunca receberam subsídios de nada, nem de desemprego nem de reinserção social, nada. Porque também não têm direito a essas coisas - são empresários! Tudo o que ganharam investiram em património, o que lhes permitiu crescer as suas empresas e dar trabalho a cerca de 40 pessoas. Têm um carro modesto e uma casa também modesta. É verdade que têm património, mas trabalharam, e pouparam para a reforma em vez de o gastarem em consumo.

Os meus pais, como muitos outros empresários do capitalismo não enriqueceram à custa de ninguém! Pelo contrário, ao longo da vida, com os postos de trabalho que criaram ajudaram muitos a sair da pobreza. Já nem falo das somas astronómicas que deram ao Estado, para este gastar mal gasto.

Se viajarmos pelo mundo, vemos que não é no mundo capitalista que vive a maioria dos pobres. E nem se compara a pobreza que se vê em Portugal, por exemplo, com a pobreza em África. Esses não têm apoios nenhuns! Nem subsídios do Estado, nem Cáritas, nem sopa dos pobres, nada. Nem hospitais, nem escolas, nada. Acha que a culpa da pobreza em África é nossa? A pobreza deles será culpa de sermos ricos em Portugal? Será por termos MEO e um telemóvel Vodafone? Por termos duas televisões em casa? Um carro na garagem? Por termos tido dinheiro para estudar e sabermos mais que ler e escrever? Por termos dinheiro para pagar a internet e um computador para nos entretermos a escrever blogues?