11.06.2007

Eça já dizia...



A nódoa e a náusea


O governo pôs à venda a REN - Redes Energéticas Nacionais, ou seja, as redes nacionais de transporte de electricidade e gás natural. Para que as pessoas não percebam bem o que se passa – e, em consequência, não fiquem chocadas e façam algum chinfrim – o governo dá ao negócio a habitual designação milagrosa de privatização.

Para que se perceba o alcance deste atentado aos interesses nacionais, socorro-me de uma opinião abalizada e insuspeita, emitida a este propósito por Jorge Vasconcelos, que foi presidente da Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos, e a quem o Governo levou, meses atrás, à demissão. Diz ele no site www.resistir.info:

«
As redes nacionais de transporte de electricidade e de gás natural estão à venda. Eufemisticamente, diz-se que vão ser privatizadas – parcialmente, como sempre acontece quando o Estado, envergonhado, vende o seu património. Sobretudo quando esse património corresponde a uma infra-estrutura essencial que actua e continuará a actuar em regime de monopólio.

A privatização da REN parece ser a resposta tecnicamente iluminada, politicamente moderna, economicamente inteligente, financeiramente vanguardista e socialmente ousada a uma qualquer questão. Será?
Será que a privatização da REN decorre de uma obrigação ou de uma recomendação comunitária (sabe-se como a Europa da concorrência sem distorções tinha as costas largas)? A resposta é não.

De acordo com o direito comunitário, o transporte de energia (electricidade e gás natural) é um monopólio regulado e deve ser exercido por empresas separadas juridicamente de empresas que actuem, em regime de concorrência, na produção, na importação e na comercialização de energia. Assegura-se assim o acesso não discriminatório de todos os interessados às infra-estruturas de transporte e facilita-se o desenvolvimento de mercados de energia eficientes. Na verdade, o direito comunitário apenas impõe a separação jurídica da actividade de transporte, nem sequer obrigando à separação patrimonial
».

Com estas palavras, Jorge Vasconcelos deita por terra os habituais argumentos do Governo, que costuma desculpar a venda dos interesses nacionais – do povo e do país – a privados (portugueses ou estrangeiros) com imposições da União Europeia. No fim do seu interessante artigo, cuja leitura integral aconselho, conclui Jorge Vasconcelos:

«Nada de mal acontecerá se, amanhã, após uma patriótica privatização para resolver a emergência financeira de hoje, os planos de expansão da REN forem anunciados num hotel londrino e os lucros das redes energéticas nacionais forem distribuídos pelas viúvas da Escócia, pelos reformados da Califórnia ou pelos oligarcas russos. Mas os consumidores portugueses de energia não retirarão daí qualquer benefício».

Por outro lado, ficámos ontem a saber, pela boca de outra insuspeita figura, o professor Marcelo Rebelo de Sousa, que o Governo espanhol e uma entidade financeira estatal do país vizinho estabeleceram uma parceria que visa financiar, a juros altamente favoráveis, a compra, por empresas ou cidadãos espanhóis, de várias herdades alentejanas.

Dito isto, quase se pode dizer que está tudo dito sobre a qualidade de vende pátrias (será muito feio chamar-lhes traidores?) da pandilha socialista que nos «governa» há mais de dois anos.

Entretanto, seis estudantes deficientes do Agrupamento de Escolas da Infante D. Henrique, em Viseu, que precisam de cuidados educativos especiais, podem ter de abandonar as aulas porque a escola não dispõe de verba para continuar a pagar às auxiliares que têm acompanhado esses alunos. Entre eles, está um jovem que sofre de distrofia muscular congénita. Tem um grau de deficiência de 95%, não pode largar a cadeira de rodas e precisa de um aparelho para comer e respirar. O jovem é acompanhado há cerca de dez anos pela mesma auxiliar, e não quer ouvir falar na possibilidade de a perder. «É ela que o vem buscar a casa, o leva para as aulas e à casa de banho, lhe dá o comer. Enfim, lhe faz tudo», explica a mãe do jovem. O pai critica o Governo por poupar dinheiro em áreas desta natureza e acrescenta: «Deviam era poupar nos altos ordenados dos políticos e não nestas situações», desabafa ele, que foi informado da situação pelos directores da escola. Não sei em quem votarem – se votaram – os pais destes alunos, mas já têm matéria para meditar daqui a dois anos.

Como se este exemplo não chegasse, uma mulher de Barcelos está cansada de pedir apoio, sem qualquer sucesso, para uma filha menor, deficiente profunda, que há cinco anos espera uma cadeira de rodas nova, pois a que tem está quebrada, com rodas encravadas e o cinto seguro por um adesivo. A mulher, viúva e desempregada, lamenta o "esquecimento" da Segurança Social. Com 42 anos, vive em condições precárias em Vilar, e não tem emprego, pois precisa de cuidar da adolescente a partir das 16:00, quando esta regressa da Associação de Pais e Amigos das Crianças Inadaptadas.

Alice, assim se chama, admite estar «quase a morrer à fome», pois gasta «mais de 250 euros por mês» com Cláudia, em medicamentos e fraldas, e o Estado não cobre todos os medicamentos diários.

Valha-nos as listas de espera para primeira consulta nos hospitais públicos, que «só» atingem 380 mil doentes. Rigorosamente, são 382.866 doentes à espera de uma primeira consulta com um médico especialista hospitalar, em regra marcada depois de um diagnóstico de doença ou suspeita de doença nos Centros de Saúde. Somando consultas e cirurgias, há quase 600 mil doentes em lista de espera nos hospitais públicos, mais de 5% da população, sem esquecer, no entanto, que há muitos hospitais que definem tectos de doentes a consultar e depois fecham as inscrições. E dos que morrem à espera da tal consulta? Alguém terá essa sinistra lista?

Para vergonha maior de Sócrates e do seu ministro da Saúde – caso eles saibam o que é isso de vergonha – as condições “degradantes” em que se encontram os doentes “internados” nos corredores das Urgências do Hospital Distrital de Faro, levaram os 19 chefes de equipa da área médica daquele serviço a apresentar a sua demissão. Também os responsáveis pelos serviços de Oftalmologia, Anestesia e do bloco operatório pediram a demissão dos cargos.

Os 19 responsáveis das Urgências dizem que os doentes estão sujeitos a “risco de infecção hospitalar”, enquanto os médicos “são obrigados a aceitar responsabilidades” por aquilo que não controlam. “Homens e mulheres, lado a lado, são despidos, higienizados e alimentados. Não podemos aceitar que os nossos doentes sejam sujeitos a tão degradante situação”, referem os médicos na carta enviada à direcção clínica do HDF, cujo primeiro subscritor é o chefe da equipa de Medicina, Luís Pereira, que lembra que ao longo dos anos têm chamado à atenção para o problema e sido constantemente ignorados.

No meio deste pouca-vergonha, o despudor absoluto. É que são «apenas» mais de 61,6 milhões de euros que o Governo prevê gastar só em deslocações e estadias no próximo ano de 2008, o que ultrapassa em cerca de 10 milhões o valor orçamentado para este ano. Este aumento de dez milhões de euros (mais 18,8%) das verbas para viagens e alojamentos, inscrito no OGE, acontece num ano em que Portugal já não presidirá à União Europeia e, pelo menos teoricamente, os titulares de cargos políticos e equiparados não necessitam de viajar tanto.

Note-se que os valores orçamentados para deslocações e estadias não incluem as verbas destinadas às viagens dos deputados, nem as viagens do Presidente da República. Questionado sobre as razões do aumento de dez milhões de euros na rubrica ‘Deslocações e Estadas’ do Orçamento do Estado para 2008, o Ministério das Finanças calou-se que nem um rato.

Ainda vale a pena falar das entrevistas de Catalina Pestana? Depois do que ela disse – e da maneira como disse – alguém terá ficado com dúvidas sobre a devassidão que corrói este país – e que tem cobertura e agentes – a nível de altas figuras do aparelho de Estado?

«Este Governo não cairá, porque não é um edifício. Sairá com benzina, porque é uma nódoa», escreveu Eça de Queirós, em 1878, no seu famoso Conde de Abranhos.

Também hoje uma imensa nódoa nos governa. Daí, caros amigos, esta náusea de viver aqui, em Portugal, à mercê dum Abranho, que é, nas palavras de Eça, «um estadista, orador, ministro, presidente do Concelho, etc., etc. – que sobre esta aparência grandiosa é um patife, um pedante, um burro».

7 comentários:

São disse...

No caso da Casa Pia há uma entidade que me enfurece e desgosta ainda mais do que os patifes pululantes que abusam das crianças num sentido e de nós noutro.
Estou falando do grupo de antigos alunos que veio a público afirmar que o período mais negro da instituição foi aquele em que Catalina Pestana foi sua Provedora.
Como é isto possível?!
Desconheço o procedimento da senhora, mas é completamente impossível ter acontecido algo ainda mais baixo e perverso do que
a violação continuada de menores à guarda do Estado!!!
Quanto ao resto do teu excelente artigo, "é porreiro, pá!".
Diverte-te hoje!

Monte Cristo disse...

Pois é, São. Há sempre cabeças de turco, até na Casa Pia. Segundo julgo saber, eese grupo de antigos alunos não representa nada, nem ninguém. Ou - o que será bem pior - representam aqueles que agrediram e agridem os antigos e actuais alunos.

Quanto ao resto, a Luta Continua, que eles já estão a abanar por todos os lados.

Beijos e Abraços

jc

Graça Pires disse...

Antes como agora, pouco mudou desde Eça. Li o teu texto com toda a atenção. O que vai mal neste país é tanto que incomoda e nos deixa a pergunta: será que tem remédio? Eu, desacreditada dos políticos, continuo anti-poder, como cabe aos poetas.
Um grande beijo.

Mar Arável disse...

Caro amigo

se Eça não tivesse subestimado

os burros

eles não estariam aí

aos coices

licenciados

Anónimo disse...

Tantos temas e tantas palavras, mas apenas uma gota de água no oceano de desvergonha e desumanidade que este governo criou.

Mas gostei. É preciso não para a denúncia.

Maria dos Anjos

Anónimo disse...

Continua a denunciar. Continua a desmascarar. Nunca te deixes calar. Mostra aos que se calam o que é preciso dizer.

Eduardo P.

O Puma disse...

ESTA MAIORIA ESMAGADORA

EXIGE MOBILIZAÇÃO GERAL.

GREVE DIA 30

POIS CLARO