1.01.2008

O país de Sócrates - a tempestade aproxima-se

Nuvens negras pairam sobre Portugal e os portugueses.

O ano de 2008 vai trazer mais desemprego, mais fome,

mais miséria e mais desigualdades sociais.

Apobreza vai alastrar, mesmo entre os que (ainda) têm emprego

O pior ano das nossas vidas

Não é preciso ser-se muito atento ou observador para se perceber que este Natal e este Ano Novo foram ainda mais tristonhos e descoloridos do que os do ano passado, que já tinham sido bem piores do que os anteriores.

O desemprego e a falta de poder de compra deram as mãos e passearam-se pelas lojas que há muito deixaram de saber o que significa «não ter mãos a medir», enquanto os festejos de fim de ano quase se limitaram aos fogos de artifício nos locais do costume, ou a pacatas e sombrias esperas, no refúgio do lar, pelas 12 badaladas do costume.

É claro que uma certa franja da nossa sociedade, que nunca soube o que são necessidades – e até se tem dado optimamente com as políticas do «engenheiro» Sócrates – foi para onde costuma ir, gastou rios de dinheiro e, quando pediu um bom 2008, já tinha, à partida, a certeza que assim vai ser. Mas esses são os que estão do lado porreiro do fosso (cada vez mais largo) que separa pobres e remediados (de um lado) dos ricos e muitos ricos (do outro), e para quem a crise tem o condão de, em vez de emagrecer, engordar ainda mais.
O que eu vi, numa breve volta que dei no meu habitual mister de farejar o ambiente, foi que a alegria e a despreocupação de aqui há uns anos atrás, desapareceram quase completamente. Locais onde era habitual as pessoas reunirem-se para celebrarem a passagem do Ano Velho para o Ano Bom, ou estavam fechados, ou mais pareciam um velório. Nas ruas, quase ninguém circulava, e as poucas janelas iluminadas eram outra nota de que a tristeza e a desesperança vão alastrando por toda a parte.

A miséria e o luxo separados por uma rotunda



25 a 30% da população do distrito do Porto é pobre.

A "pobreza envergonhada" é a nova forma de pobreza emergente no distrito,

e reflecte, de um modo geral, o que se passa por todo o país.

Lembrei-me que, há poucos dias, soube-se que, só no Porto, há cerca de nove mil portugueses que vivem em casas, nas chamadas «ilhas» da cidade, onde «os telhados não impedem a chuva de corroer o mobiliário e onde os ratos são convidados indesejáveis, deixando marcas de mordidelas nas orelhas e caras das crianças». E faço notar que isto não são palavras minhas, mas retiradas da reportagem que oportunamente o Correio da Manhã ofereceu aos seus leitores. Nela se retrata toda a miséria e abandono a que parte da população está votada, não só pelo flagelo do desemprego, como por força dos baixos salários.

Mas o curioso desta reportagem é que, depois de mostrar como vivem milhares de portugueses na segunda mais importante cidade do país, o jornalista vai mais longe e diz:

«Ao atravessar a rotunda do Castelo do Queijo, ali mesmo ao lado, a realidade transfigura-se. É outro mundo, onde os BMW recolhem nas garagens das casas de dois milhões de euros, ou mais. Para quem passa pela avenida Brasil, na marginal da Foz, é impossível não reparar nas vistosas moradias.

Ali passamos das rendas de vinte euros para habitações cujo valor pode chegar aos cinco milhões. São casas de excepção e dão forma a uma realidade maior. Portugal é um dos países da União Europeia onde as desigualdades sociais mais se fazem sentir. Se na restante Europa os mais ricos ganham cinco vezes mais do que os mais pobres, em Portugal essa diferença é de 7,2, segundo dados da Eurostat».

Tudo aumenta em Janeiro

- e bem acima da inflação anunciada de 2,1%

Do pão ao gás, dos transportes às portagens,
das propinas à electricidade e à água, tudo vai aumentar
acima da inflação e levar na torrente os míseros aumentos de 2,1%

É este, cada vez mais, o país de Sócrates. E foi já a partir das primeiras horas deste ano que a vida de milhões de portugueses piorou. Aumentos garantidos – e quase todos muito acima da inflação – vão ter o pão (nalgumas regiões e em certas variedades o aumento foi de 30%), a água, os transportes, o gás, a electricidade, as portagens, a famigeradas taxas moderadoras, ou as propinas. O leite não precisou da passagem de ano para passar a pesar mais nos bolsos dos portugueses – o que equivale, em muitos casos, a pesar menos nos estômagos das famílias, especialmente no das crianças.

Continuando a dar provas da sua imensa desumanidade, o ministério da Saúde vai poupar, pelo menos, 330 milhões de euros, só em 2008. Chega-se a este valor com o encerramento dos Serviços de Atendimento Permanente e a diminuição das comparticipações. Com o fecho dos SAP, ficam nos cofres do Estado entre 25 a 30 milhões de euros, valor avançado pelo próprio ministro Correia de Campos, quando, em Maio, se pronunciou sobre os custos estimados dessas unidades de saúde em funcionamento.

A este valor soma-se uma verba de 150 milhões de euros, que não vão ser canalizados para a comparticipação de medicamentos, e outros 150 milhões de euros que não serão destinados à comparticipação dos meios de diagnóstico e terapêutico, como análises clínicas, Raios X, TACs e electrocardiogramas. Assim se brinca, criminosa e desumanamente, com a saúde dos portugueses.

Quinhentas portuguesas já deram á luz em Badajoz

No Hospital de Badajoz, quinhentas portuguesas já deram á luz,

após o encerramento da maternidade de Elvas.

E duas mil fazem ali o seu acompanhamento pré-natal


Entretanto, nasceu mais um bebé em plena auto-estrada que liga Figueira da Foz a Coimbra, o sétimo, desde que o ministro da Saúde encerrou a maternidade daquela cidade.
Outra notícia chama a minha atenção. Diz o DN: «Desde 5 de Junho de 2006, último dia em que funcionou o serviço de obstetrícia da maternidade de Elvas, que fazia mais de 200 partos/ano, meio milhar de crianças portuguesas já nasceram do lado de lá do Guadiana, e pelo menos 2.000 utentes já frequentaram o serviço e o aconselhamento pré-natal do Hospital do Perpétuo Socorro de Badajoz».

Na sala de espera do hospital, o repórter do DN ouviu coisas destas:
«A minha filha já cá teve o meu primeiro neto há um ano, agora venho cá com a outra, que está à espera de gémeos». E referindo-se à cidade: «Os preços são mais baratos, há mais gente, mais jovens, os hospitais são melhores, os cursos de medicina estão cheios de portugueses e muita gente já aqui procura trabalho, porque os ordenados são melhores e há mais emprego».

Um jovem agricultor de Terrugem, que acompanhava a mulher, referiu ao jornalista: «Há alguns meses que vimos cá, já que o nosso filho vai nascer aqui… Se gostava que ele nascesse na minha terra? Gostava, mas não me agradava que lá vivesse durante muito tempo. Talvez este seja um bom prenúncio…».

Não sei como é possível ser primeiro-ministro de Portugal – ou ministro da Saúde – e, perante este quadro, não corar de vergonha, já que não se quer mudar de política.


Nem com os saldos lá vamos




Mas abriu a época dos saldos. E aquilo que, há anos atrás, era um autêntico assalto às lojas, com filas enormes às portas, à espera da abertura, é hoje uma época normal, isto é, com pouca gente a entrar e ainda menos a comprar.

Bem se esforça o governo, através dos papagaios do costume, por desmentir a crise, fazendo constar que as compras de prendas, este Natal, foram superiores em cerca 5% às do ano passado. E como se conseguiu chegar a esta fantástica conclusão? Através dos pagamentos realizados com cartões de débito e crédito! Há coisas fantásticas, não há? Como se fosse possível saber-se, pelo volume de compras realizadas e pagas com esses cartões, qual o valor das prendas, do esparguete, das batatas, do pãozinho ou das bolachas de água e sal.

A verdade – e não é preciso ser-se nenhum génio para aqui se chegar – é que os portugueses compram mais no Natal porque receberam – os que receberam – o respectivo subsídio e reservam, tradicionalmente, esse montante para comprar algumas das coisas de que se privaram nos restantes meses do ano. Enfim, para a quadra não seja tão triste.

Por outro lado – e conforme aqui dissemos a semana passada – as dívidas das famílias portuguesas às instituições financeiras está a subir em flecha, sabendo-se que esta é, precisamente, uma época em que mais se recorre aos milagrosos cartõezinhos.
Bem podem, pois, o governo e PS encomendarem sondagens e mandar palrar os seus fiéis comentadores, que a realidade, nua e crua, aí está à vista de todos.
Por isso, desejar um bom ano de 2008 a quem se estima, por muito sincero que se esteja a ser, não passa de coisa vã, mero acto da liturgia da época.
O ano de 2008, meus amigos, vai ser um dos piores anos da nossa vida.

Fecho com palavras de Guerra Junqueiro, retratando o povo português, escritas no distante ano de 1896. Mas absolutamente actuais:

«Um povo imbecilizado e resignado, humilde e macambúzio, fatalista e sonâmbulo, burro de carga, besta de nora, aguentando pauladas, sacos de vergonhas, feixes de misérias, sem uma rebelião, um mostrar de dentes, a energia dum coice, pois que nem já com as orelhas é capaz de sacudir as moscas; um povo em catalepsia ambulante, não se lembrando nem donde vem, nem onde está, nem para onde vai; um povo, enfim, que eu adoro, porque sofre e é bom, e guarda ainda na noite da sua inconsciência como que um lampejo misterioso da alma nacional – reflexo de astro em silêncio escuro de lagoa morta».

2 comentários:

Graça Pires disse...

Ando a ler este texto há dias. Sufoca-se. Sufocas-nos. Quantas palavras te são ainda necessária para tanta tristeza? Lembrei-me, ao ler-te de um poema de José Gomes Ferreira :
"O nosso mundo é este
vil e suado
dos dedos dos homens
sujos de morte.
...
E o poeta termina:
O nosso mundo é este...
(Mas hã-de ser outro)
Não desistas. Não desistimos.
Um beijo.

São disse...

Meu Pai afirmava que os países têm que tocar no fundo...mas quando é que se chega ao fundo em Portugal?!
Que 2008 te seja leve, querido amigo!