Dizem os dicionários que extorsionário é quem se apodera dos bens alheios com recurso à violência ou à ameaça. E que escroque é quem se apodera dos bens alheios por meio fraudulento. Digo eu, em consequência, que a extorsão e a escroqueria se conjugam para dar corpo às políticas económicas que, nos sistemas democráticos, sujeitam a maioria dos cidadãos às mais infames carências, extorquindo-lhes, pela violência da lei – e sob a sua ameaça – os recursos necessários ao seu bem-estar e felicidade. E fraude se chama ao processo que conduz à aceitação, pelos espoliados, da extorsão sobre eles praticada, convencidos que são, pelos malabarismos ideológicos, semânticos e propagandísticos, que ela – a tal extorsão – mais não é que a justa e indispensável gestão dos recursos nacionais. Da coisa pública.
Mas deixemo-nos de teorias, análises e definições. E vamos a factos.
Um homem de sessenta anos entrou numa agência do Montepio, em Gaia. Exibindo uma pistola e dizendo-se portador de explosivos, deixou sair toda a gente, clientes e funcionários, sem dizer o que é normal nestas situações: «Todos para o chão! Isto é um assalto!». Não. Conforme diria depois, o seu único objectivo era forçar a renegociação da dívida resultante de um empréstimo contraído naquele banco, para evitar que a sua casa fosse a leilão. O desespero encarregou-se da forma como agiu. E explicou: «Tenho sessenta anos e nunca fui ladrão. Queria negociar a dívida, mas eles puseram-me a casa à venda por 60 mil euros, quando ela vale 250 mil».
Dou por mim a perguntar quantos outros portugueses vivem o mesmo drama que este homem, apenas porque não podem pagar aquilo que, na altura da concessão dos seus empréstimos, era perfeitamente viável e possível? Quantos jovens são forçados a perder as suas casas, só porque um grupo de extorsionários, em Bruxelas, decide, insensível aos dramas da vida real, a subida das taxas de juro? Quantas famílias, nos dias que correm, procuram, desesperadamente, uma base mínima de sobrevivência digna, mas não encontram soluções para os seus problemas financeiros, só porque, praticamente todos os meses, alguém as assalta, levando-lhes o pouco que lhes resta para o sustento e para as despesas do dia-a-dia?
Foi-se a contribuição autárquica, e inventou-se o IMI, o que significa que se paga o dobro, o triplo – ou mais – do que se pagava antes, com a agravante de a continha subir todos os anos. A factura da água diz-me quanto devo pagar de precioso líquido, mas vejo que a conta final é o triplo (meus senhores, o triplo!) do valor da água que consumi, porque lá estão as alcavalas do aluguer de contador (cujo valor já paguei centenas de vezes), mais a taxa de manutenção das infra-estruturas urbanas (os esgotos), mais duas taxas para a recolha do lixo (logo duas, como se uma já não fosse demais – sendo uma fixa e outra variável, indexada ao consumo de água, até parecendo que quanto mais água se consome, mais lixo se produz). Para breve, a juntar a este festim digno de vis extorsionários, uma nova taxa para tratamento das águas residuais virá meter as mãos nos meus bolsos.
Também a factura da electricidade dá boleia a mais extorsão, como a taxa de exploração (que nome tão apropriado!), e uma contribuição audiovisual, que ultrapassa os seiscentos escudos, na saudosa moeda antiga.
Por tudo isto, não espanta que, em Portugal, dois milhões de seres humanos (ou seja: 20% da população) estejam abaixo do limiar de pobreza, e que, todos os dias, este número aumente. Primeiro, porque os extorsionários e os escroques, instalados nos diversos patamares do poder, não param de inventar novos instrumentos de extorsão. Segundo, porque os rendimentos das famílias não sobem o mesmo que sobem os preços de tudo o que precisam de consumir, sejam bens, sejam serviços. Terceiro, porque o desemprego aumenta. Quarto, porque as prestações sociais diminuem – ou são ridículas. Quinto, porque as pessoas são conduzidas ao endividamento.
Deste modo, não espanta que continue a ser notícia o facto de Portugal ser campeão, na União Europeia, no que respeita a níveis de desigualdade. A novidade (olha que novidade!) foi dada por Carlos Farinha Rodrigues, investigador e docente no Instituto Superior de Economia e Gestão, que apresentou um estudo, no final do roteiro presidencial pela inclusão, sobre a distribuição do rendimento, a desigualdade e a pobreza em Portugal. Diz ele que, nos últimos 20 anos, Portugal «manteve os níveis de pobreza acima da média europeia» (20% contra 16%, respectivamente), e que a taxa de desigualdade está, também, acima da média europeia, 41% contra 31%.
(Talvez se lembrem de quem governou Portugal nestes últimos 20 anos. Eu recordo aos mais esquecidos: Cavaco Silva, do PSD, António Guterres, do PS, Durão Barroso e Santana Lopes, do PSD, acompanhados por senhoritos e senhoritas do CDS/PP, e, finalmente, José Sócrates, que já fizera parte dos governos de António Guterres).
Diz Carlos Farinha que os idosos são o grupo onde o flagelo da pobreza é mais visível. Em Portugal, a taxa de pobreza nos idosos atinge os 28%, enquanto na Europa se fica pelos 19%, chamando ainda a atenção para o retrocesso que, entre 2000 e 2003, se verificou no rendimento por adulto. Em 2001, Portugal tinha níveis de pobreza persistente na ordem dos 15% quando a média da Europa (dos 15) era de 9%. Nesse domínio, a pobreza infantil atingia os 22% (mais 9% que os restantes países da Europa) e, nos idosos, o valor ascendia a 24% (o dobro da Europa).
Enquanto isto, o país, diverte-se com as trapalhadas da licenciatura de Sócrates. Como disse Cavaco, essa trapalhada não é o nosso maior problema. Aliás, também o PCP desvaloriza a questão, acentuando que o que deve preocupar o país são as políticas que Sócrates impõe e que nos estão a conduzir para a pobreza generalizada.
Embora compreenda e respeite estas posições, acho-as demasiadas calculistas, no caso de Cavaco Silva, e excessivamente puristas, em termos políticos, no caso do PCP. Se é verdade que José Sócrates não precisa de ser engenheiro, nem doutor, para ser primeiro-ministro, ministro, ou secretário de Estado, e que os malefícios da sua governação não resultam de, afinal, não ser o que apregoava ser, mas da sua estrutura ideológica e das suas concepções e práticas políticas, verdade maior é que a sua necessidade de ser titular de uma licenciatura – não por razões de carreira ou perspectiva profissional, mas pela emergência pacóvia de ostentar um título académico – reflecte alguma menoridade mental e uma debilidade de carácter pouco condizente com os cargos que tem perseguido.
Pior ainda, caso as suas habilitações, conforme tudo leva a crer, tenham sido adquiridas através de favores e malabarismos de vária ordem, onde não são estranhos a filiação partidária, o peso político do sujeito e a mancomunação entre gente instalada em cargos e funções onde julgam que as regras, as leis e, acima de tudo, a moral, não são para ali chamadas.
Vejo agora que a prova de Inglês Técnico de Sócrates terá constado de um pequeno trabalho, feito fora de Universidade Independente, numa folha de papel A4, enviada por fax para o reitor da UnI, acompanhada de um cartão com o timbre do seu gabinete de secretário de Estado, funções que na época exercia, dizendo: «Meu caro, como combinado, aqui vai o texto para a minha cadeira de Inglês». Segundo se soube, a folha A4 tem um pequeno texto que corresponderá às respostas a menos de uma dezena de alíneas.
Se isto é verdade, então, caros amigos, aquilo que temos pela frente não é saber se Sócrates usou indevidamente durante 10 anos, por provincianismo parolo, um título que não tinha, mas se os métodos que utilizou para conseguir o almejado canudinho não passaram de uma imensa trafulhice, apenas possível pelo seu estatuto de figura pública e pela sua influência política e partidária.
Feitas as contas, estamos perante trapalhadas a mais para tudo não passar de um azar dos diabos e erros administrativos da universidade. São os diferentes certificados de habilitações, nenhum igual ao outro; é o certificado com dados impossíveis à data da sua aparente emissão; é fazer uma série de exames, examinado pelo mesmo professor, e tudo num só dia; é conseguir as equivalências sem apresentar as respectivas provas, conforme é exigido a todos os alunos, fazendo-se apenas fé na sua palavra; é as equivalências serem certificadas por quem não tinha competência para o fazer; são os dados errados prestados por Sócrates aos serviços da Assembleia da República; enfim, é a prova de Inglês Técnico feita em casa, coisa, que eu saiba, jamais vista ou sabida em qualquer parte do mundo civilizado, sendo agora expectável que ainda nos venhamos a deparar, seguindo o fio desta grotesca meada, com mais uns tantos casos semelhantes, em benefício de outros elementos da distinta classe política.
Por isso, eu digo que é necessário saber não só o que é Sócrates, mas, acima de tudo, quem é Sócrates. É que se confirmarem as piores suspeitas, isso basta para que o fulano desapareça rapidamente da cena política e, se for caso disso, que preste as devidas contas à Justiça.
É que o rigor e a excelência, meus amigos, para serem bandeiras que alguém acene aos outros, só podem ser acenadas por quem seja um exemplo de rigor e de excelência.
Ora, parece-me que estamos nos antípodas de tudo isso.
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