4.10.2007

O canudo e a censura



Uma mosca sem pudor
pousa com a mesma alegria,
na careca dum doutor,
ou em qualquer porcaria.
António Aleixo

Ou então:

A mosca, com ar matreiro,
pousa da mesma maneira,
na testa dum engenheiro,
ou numa qualquer estrumeira.


O escândalo da Universidade Independente é um exemplo extraordinário da história e dos resultados das furiosas políticas privatizadoras levadas à prática em Portugal, ao longo dos últimos trinta anos. Tem-se feito, desde os primeiros governos de Mário Soares, um esforço enorme – e muito bem sucedido – para transmitir a ideia de que a iniciativa privada existe para servir Portugal e os portugueses, e não – como de facto acontece – para, antes de mais e acima de tudo, correr atrás do lucro a qualquer preço.

Apesar de eu considerar que o lucro é legítimo e que existem muito sectores onde a iniciativa privada pode e deve ocupar o seu espaço, julgo que seria bom que os portugueses menos informados – ou mais distraídos – percebessem que a iniciativa privada não entrou na saúde, nem na segurança social, nem no ensino superior, nem na captação e distribuição de água, nem no tratamento de esgotos, nem nos transportes, nem em qualquer outra área importante do serviço público, por indefectível dedicação a Portugal e enternecedor amor aos portugueses. Para servir mais e melhor. A iniciativa privada também não está na banca para dinamizar a economia, apoiar os pequenos e médios empresários, optimizar a poupança dos cidadãos, tal como não está nos seguros para cuidar dos riscos dos segurados. Em todos estes sectores visa, apenas, um único objectivo: o lucro máximo. É, digamos assim, a sua vocação genética.
Venha o lucro, pois – e quanto mais, melhor. No caso da Universidade Independente, por onde cirandou muita da nata da nossa classe política, sob a forma de alunos, ou sob a forma de professores, a concubinagem entre diversos interesses não pode ser ignorada. No fundo, estamos perante a consabida promiscuidade entre o poder político, que abriu as portas ao negócio, e o poder económico, que dele aproveitou e, em consequência, se sente na obrigação de retribuir o favor. Mesmo que o pagamento seja em géneros, quer sob a forma de um canudo à pressão, quer sob a forma de umas cadeiras para leccionar.

Paralelamente a este estado de coisas, está a ilusão parola de que um canudo é a chave do sucesso. Ser-se doutor ou engenheiro – pensam eles – representa, nesta república das bananas em que nos transformámos, o mesmo que ser-se duque ou conde nos tempos da monarquia, conferindo-lhes, à partida, um patamar de privilégio em relação à ralé.

Acontece, no entanto, para desgosto e irritação desta geração de novos-ricos que a democracia pariu por descuido ou maldição, que nem o canudo confere saber ou inteligência, como o título nobiliárquico não significava, automaticamente, que o seu detentor possuísse alguma dignidade ou nobreza. Dizia um amigo meu que, mais difícil de perceber como é que alguns indivíduos se formaram, é perceber como é que eles conseguiram tirar a 4.ª classe.

Sócrates quis ser engenheiro encartado, sem perceber que o canudo, para além de lhe permitir apor o «engenheiro» antes do nome, de nada realmente lhe servia. Foi uma vaidade, em vez de ser uma opção de vida, uma via profissional. Saltitou de estabelecimento de ensino para estabelecimento de ensino, arrebanhou equivalências, o mesmo professor examinou-o em três ou quatro cadeiras diferentes e, num certo domingo, alguém lhe passou um diploma, aparentemente imaculado. Uma coisa é certa: a um engenheiro destes, não confiava eu o mais simples trabalho de engenharia.

Mas Sócrates pouco se ralará com isso. O seu futuro, se tiver a ver com engenharias, não será com aquelas para as quais um papelucho o diz habilitado. Acabará, como o seu grande amigo a camarada Armando Vara (outro ilustre recém-diplomado pela Universidade Independente), no conselho de administração de um grande grupo económico, ou a presidir algum organismo internacional, como os seus amigos e camaradas Guterres e Sampaio. E o episódio do canudo não passará, então, de uma história grotesca, rapidamente caída no esquecimento.
Consta que, ainda hoje, dia 11 de Abril do ano da graça de 2007, Sócrates explicará ao país o que já devia ter explicado há três semanas. Espero que aproveite, também, para nos esclarecer porque razão, três anos antes de concluir a licenciatura na Universidade Independente (admitamos que não houve quaisquer favorecimentos), já ele garantia, nas biografias oficiais da Assembleia da República, ser licenciado em Engenharia Civil.
De facto, conforme veio agora a público, em 1993, quando Sócrates era deputado, o seu curriculum oficial apresentava uma «licenciatura em Engenharia Civil», dizendo-se engenheiro de profissão. No entanto, o próprio primeiro-ministro admitiu recentemente que a licenciatura apenas foi concluída três anos depois, quando estava no Governo, como secretário de Estado adjunto do Ministério do Ambiente. Se calhar – digo eu – foi um lapso dos serviços da Assembleia da República, pois um homem de tanto carácter e tão sólidas convicções morais, seria incapaz de aldrabar tão infantilmente os seus concidadãos, ou seja, andar, a fazer-se passar por engenheiro, não o sendo.
Mas eu queria, quase a terminar, pôr a tónica na tentativa desesperada, levada a cabo pelo próprio Sócrates e pelos seus assessores, no sentido de pôr um freio na comunicação social. Quis-se que, a todo o custo, se ignorasse a notícia. Por outras palavras: tentou-se abafar o assunto. E quando, há dias, falámos de censura e de repressão a propósito da eleição de Salazar como o maior português de sempre (salvo seja, claro…), não deixa de ser curioso verificar como esta democracia – e estes políticos de plantão à mesma – se parecem perigosamente com o defunto de Santa Comba.

Mas nada disto me espanta. Modesta e pequenina é esta Rádio Baía, mas também ela – segundo há dias me avisaram – está a ir por caminhos subversivos e, por isso mesmo, perigosos. É que há aqui quem se atreva, num programa chamado Provocações, a ter opinião e a tecer críticas.

Em consequência, tanto o PS como certos responsáveis autárquicos cá do burgo não estão a gostar da coisa – e já mandaram os seus recados.

Liberdade? 25 de Abril? O que é isso?

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