2.17.2008

Dili e Lisboa - o mesmo fado

O povo timorense merecia mais e melhor que Rambos reinadios,
Hortas e Xananas comprados por um prato de lentilhas. Mas há o petróleo, não é?


Do Rambo de Timor,
ao caladinho de S. Bento


Não consigo ouvir a palavra Timor sem que, cá dentro – no sítio onde dizem que o coração, ao assinalar as emoções, muda de ritmo e, por vezes, parece até doer ao cavalgar dores ou alegrias – algo se manifeste à revelia da minha vontade.

A verdade é que passei dois anos da minha juventude naquela terra de muitas e variadas gentes, onde timorenses, europeus (quase todos ali presentes em chamada missão de soberania), chineses (que dominavam todo o comércio), africanos, indianos e, por fim, a mistura de todas estas raças, conviviam num clima de aparente tolerância e relativa afectividade. É claro que os timorenses, na base da pirâmide, acabavam por ser, na sua própria terra, quem nenhuma voz activa tinha na vida social e económica (a vida política, nesse tempo, era coisa ferreamente reservada aos representantes do Estado) limitando-se, na sua maioria, a sobrevier praticamente à custa de uma agricultura precária, já que a pesca era ainda mais frágil e incipiente.

Depois, tínhamos os donos da terra: o clã do velho Carrascalão (que para ali fora deportado nos primórdios do fascismo, e que tomara tudo o que a vista alcançara). A filharada pai Carrascalão vivia aparte de tudo, contra tudo, acima de tudo. Não se sentiam europeus, porque nasceram mestiços. Também não sentiam timorenses, porque prezavam o seu sangue branco e o seu estatuto de amos e senhores. Detestavam a tropa, não pelo seu peso colonial, mas porque lhes roubavam o mando a que julgavam ter direito. Enfim, eram a face mais conflituosa – e preconceituosa – da sociedade daquele tempo.

Seja como for, os dois anos que passei naquela metade de ilha foram uma experiência extraordinária, não só pela relação com uma realidade colonial, que muito me ensinou, como também pela ligação aos diversos extractos sociais, onde as clivagens me pareciam absurdamente esbatidas. Depois, o mar e os seus corais, as montanhas e a floresta, o sol radioso, as acácias vermelhas, as chuvas densas e fortíssimas da monção – mais certas e infalíveis que um relógio suíço – ou o perfume tropical de uma terra quase virgem, deixaram-me marcas que jamais perderei. Nem quero.
Reinado quis reinar demais...
O major Reinado era um instrumento dos norte-americanos,
australianos e dos seus aliados em Timor, Xanana e Ramos-Horta.
«Reinou» à vontade, até ter decidido «reinar» demais...

Mas vêm estas divagações a propósito do atentado perpetrado pelo major Alfredo Reinado, um rapazola a soldo dos interesses ocidentais, interesses que têm nos australianos e norte-americanos os seus principais representantes.

Na verdade, Alfredo Reinado reinou à fartazana com a tolerância – nem sei se deva dizer: com o apoio – de Xanana Gusmão, Ramos Horta e toda a tropa aliada que ali está para salvaguardar a possibilidade de Timor ser, de facto, dos timorenses. Alfredo Reinado saiu da prisão quando quis, como quis, com quem quis, com as armas que quis e, posteriormente, instalou-se, com os seus seguidores, onde quis. Deu as entrevistas que quis, movimentou-se como e quando quis e, se não foi recapturado, meus amigos, foi, apenas, porque ninguém… quis. O homem dava jeito.

Xanana e Ramos Horta, há muito rendidos aos ditames das radiosas democracias ocidentais – e, por isso, um saiu da prisão de Jacarta, e o outro foi prémio Nobel (e ambos presidentes da república e primeiros-ministros) – acabaram por ser vítimas do monstro que criaram e alimentaram. O que falta saber é se Reinado, de costas quentes pelos amigos ocidentais, se precipitou na execução do golpe, ou se alguém, em Camberra ou Washington, acreditou demais na capacidade do pequeno Rambo.
Ramos-Horta pensava que bastava ter as costas quentes pelos seus amigos norte-americanos e australianos, para que a criatura que ajudou a criar (Reinado) não se voltasse contra um dos criadores.

O que é certo, é que Xanana, Ramos Horta e os seus aliados Carrascalões e Cia., terão começado a perceber que não podiam governar Timor sem estabelecer laços com as forças políticas que, de facto, representam o povo timorense, entre as quais se destaca a Fretilin, onde Xanana nasceu como político e patriota e que, depois dos compromissos que o devolveram á liberdade, renegou sem pudor, para não dizer que traiu miseravelmente.

E foi assim que Timor, pequeno e pobre (mas com razoáveis jazidas petrolíferas, que a Fretilin quis fazer reverter a favor do povo timorense, e por isso, foi apeada pela santa aliança pró-ocidental) se tornou palco de mais um acto da longa tragédia política que a rapaziada dos dólares ali tem em cartaz.

Reinado morreu, veremos que é o próximo Rambo. Ou totó.

Viajemos, agora, até ao nosso país, onde a tragédia em cena assume, por vezes, aspectos de comédia burlesca e rasca.
De fala-barato, a fala pouco...

Sócrates, de intenso fala-barato, passou, recentemente,
para um curioso estado de fala-pouco.

Soubemos que o desemprego atingiu o seu mais alto nível dos últimos 21 anos. O «engenheiro» Sócrates, porém, calou-se. A fantasia dos 150 mil novos empregos foi chão que deu uvas. Ou ele quereria dizer: menos 150 mil empregos?

Soubemos que Portugal precisaria de 60 anos, ao ritmo actual das políticas implementadas pelos socialistas, para alcançar a escolaridade média da União Europeia. O «engenheiro» Sócrates não solta um pio sobre esta triste realidade.

Soubemos que o governo socialista quer acabar com o Conservatório Nacional.
A denúncia circula por aí nestes termos:
O vergonhoso ataque ao Conservatório Nacional
«Disto, já se suspeitava há algum tempo, mas agora é público: o Ministério da Educação quer mesmo acabar com a Escola de Música do Conservatório Nacional. Por isso, se o deixarem, uma instituição com quase 180 anos, que já nos deu Maria João Pires, Bernardo Sassetti e tantos outros, tem os dias contados. Já não se trata de destruí-la devagarinho, como até aqui – deixando-a cair aos bocados, como o órgão do século XVIII a deteriorar-se, ou o Salão Nobre quase a ruir sobre a plateia. Desta vez, a sinistra ministra quer fazer o serviço de uma só vez. Com três golpes tão rápidos e certeiros que, espera ela, ninguém vai sequer perceber o que se passa.

O primeiro golpe é acabar com os Cursos de Iniciação. Crianças dos 6 aos 9 anos de idade vão deixar de ter acesso às 6 horas semanais de instrumento, orquestra, formação musical, coro e expressão dramática hoje ministradas pelo Conservatório.

O segundo golpe é matar o Ensino Articulado. Adolescentes com talento musical já não poderão conciliar a formação artística de alto nível do Conservatório com a frequência às outras matérias da sua escola habitual. Quem quiser ser músico, a partir de agora, tem que decidir profissionalizar-se aos 10 anos de idade – sem poder voltar atrás.

Por fim, o golpe de misericórdia é dar cabo do Ensino Supletivo – o regime que tem formado, ao longo dos anos, a maior parte dos músicos portugueses. De Alfredo Keil a Pedro Abrunhosa, passando por centenas e centenas de outros
».

Quanto a isto, Sócrates cala-se que nem um rato.


Outras notícias dizem-nos que quase duas mil famílias tiveram de pedir auxílio para não perderem as casas. As dívidas são o novo flagelo da sociedade moderna portuguesa. A crise perpétua em que vivemos, agravada pela subida das taxas de juro e pelo desemprego, está a deixar cada vez mais famílias em situação desesperada.


Associado a isto, está o crescimento do crédito malparado, que mantém a tendência iniciada no final de 2006. De acordo com dados do Boletim Estatístico do Banco de Portugal, o crédito de cobrança duvidosa atingiu, no final de Novembro, os 2.367 milhões de euros, o que representa um crescimento de 129 milhões, face ao mês anterior, e de 209 milhões, face ao período homólogo.


E Sócrates sem tugir nem mugir.


Mas, às vezes, Sócrates ainda fala. No dia 10 de Janeiro, garantia que iria ser construída uma nova ponte sobre o Tejo, aliás um projecto que já não é novo e, por acaso, bastante consensual. Porém, dias depois, o impagável ministro Mário Lino vem informar que, afinal, mandou o LNEC estudar outras alternativas. O que era certo num dia, passou a incerto noutro.


E Sócrates, que durante meses nunca se calava, voltou a meter a viola no saco.


O director da Polícia Judiciária, que é amigo íntimo do ministro da Administração Interna, matou a investigação do caso Maddie. Nada de espantar. Desde cedo se percebeu que o governo inglês, da mesma família política do governo português, apostava forte na protecção dos Macann, cujas ligações ao Partido Trabalhista são do conhecimento público. Tarde ou cedo, aqui chegaríamos. Parece que já chegámos.


E Sócrates nada tem a dizer.


Aparentemente, eclipsou-se a verve do senhor «engenheiro» de (pelos vistos) obras feitas… mas pelos outros.


Mas o que interessa aos portugueses a vida nacional? Na verdade, e a julgar pelos noticiários, o que realmente é importante para nós – e para o mundo – é o folclore milionário das escolhas dos candidatos às eleições presidências norte-americanas.


Pelo que somos forçados a engolir diariamente – e pelo que comemos por tabela em resultado da política do império – bem deveríamos exigir o direito de também votarmos naquela palhaçada.


Não acham?

4 comentários:

Graça Pires disse...

"Não consigo ouvir a palavra Timor sem que, cá dentro – no sítio onde dizem que o coração, ao assinalar as emoções, muda de ritmo e, por vezes, parece até doer ao cavalgar dores ou alegrias"
Um começo ao teu jeito. Concordo contigo. No meio de tudo o que acontece está o povo timorense que não merece sofrer.
Do país, do nosso, as coisas não mudam assim...
Quanto às eleições americanas, tens de concordar que faz inveja tanto entusiasmo, o deles, com um acto cívico que por cá se vai tornando cada vez mais amorfo.
Um beijo.
Obrigada pelo teu poema que guardei para mim.

São disse...

Um começo em prosa poética muito bonito. E que ainda torna mais feio e duro aquilo que a desgraçada população timornse está sofrendo...e irá continuar a sofrer.

As eleições norte- americanas deveriam ser abertas a todos os povos, porque Os EUA caem em cima de qualquer um segundo os seus interesses.

MacCan e sua quadrilha _ incluindo portugueses, não esquecer! - tiveram a seu favor pertencerem a uma classe alta e Portugal não ter coragem!!

Assim vai o mundo...

Parece-me que bem pior com esta peseudo independência do Kosovo, tão apadrinhada por aquele estafermo do Bush e seus sequazes!!

Abraços, meu querido amigo.

O Puma disse...

De facto a canalha continua à solta.Qual Timor?

O Puma disse...

boa intervenção

na rádio baía