12.08.2007

Teremos ainda Portugal?



Caros Amigos

Quando comecei a ler o texto que se segue, desconhecia o seu autor. Coisa irrelevante, porque o que me interessava era o conteúdo e não a autoria.

Enquanto lia, dizia para mim mesmo que eu próprio já dissera e escrevera muito do que ali estava, o que significa, para abreviar, que concordei com todo o escrito.

Penso que muitos dos meus amigos e dos meus contactos habituais, quando lerem o texto, também subscreverão tudo – ou quase tudo.

Para que o preconceito não vicie a sua apreciação, deixo-vos um desafio: não vão, antecipadamente, ao fim, só para ver quem é o autor. Submetam-se a esse teste à vossa objectividade. Testem, perante vós próprios, se existe, no vosso íntimo, muito, pouco ou nenhum sectarismo e/ou preconceito.

Um abraço

Monte Cristo


Teremos ainda Portugal?


O título tem um tom provocatório, mas eu vou justificar. Não digo que esteja para breve o nosso fim de país independente e livre. Mas, pelo andar da carruagem, traduzido em factos e sintomas, a doença é grave e pode levar a uma morte evitável. Aliás, já por aí não falta gente a lamentar a restauração de 1640 e a dizer que é um erro teimarmos numa península ibérica dividida. De igual modo, falar-se de identidade nacional e de valores tradicionais faz rir intelectuais da última hora e políticos de ocasião. O espaço nacional parece tornar-se mais lugar de interesses, que de ideais e compromissos.

Há notícias publicadas a que devemos prestar atenção. Por exemplo: um terço das empresas portuguesas já é pertença de estrangeiros; 60% dos casais do país têm apenas um filho; vão fechar mais cerca de mil escolas ou de mil e trezentas, como dizem outras fontes; nas provas de língua portuguesa dos alunos do básico, os erros de ortografia não contam; o ensino da história pouco interessa, porque o importante é olhar para a frente e não perder tempo com o passado; a natalidade continua a descer e, por este andar, depressa baterá no fundo; não há nem apoios nem estímulos do Estado para quem quer gerar novas vidas, mas não faltam para quem quiser matar vidas já geradas; a família consistente está de passagem e filhos e pais idosos já não são preocupação a ter em conta, porque mais interessa o sucesso profissional; normas e critérios para fazer novas leis têm de vir da Europa caduca, porque dela vem a luz; a emigração continua, porque a vida cá dentro para quem trabalha é cada vez mais difícil; os que estão fora negam-se a mandar divisas, por não acreditarem na segurança das mesmas; os investigadores mais jovens e de mérito reconhecido saem do país e não reentram, porque não vêem futuro aqui; a classe média vai desaparecer, dizem os técnicos da economia e da sociologia, uma vez que o inevitável é haver só ricos cada vez mais ricos e pobres cada vez mais pobres; os políticos ocupam-se e divertem-se com coisas de somenos; e já se diz, à boca cheia, que o tempo dos partidos passou, porque, devido às suas contradições, ninguém os toma a sério; a participação cívica do povo é cada vez mais reduzida e mais se manifesta em formas de protesto, porque os seus procuradores oficiais se arvoram, com frequência, em seus donos e donos do país e fazedores de verdades dúbias; programa-se um açaime dourado para os meios de comunicação social; isolam-se as pessoas corajosas e livres, entra-se numa linguagem duvidosa, surgem mais clubes de influência, antecipam-se medidas de satisfação e de benefício pessoal…

Não é assim, porventura, que se acelera a morte do país, quer por asfixia consciente, quer por limitação de horizontes de vida? É verdade que muitos destes problemas e de outros existentes podem dispor de várias leituras a cruzar-se na sua apreciação e solução. Mais uma razão para não serem lidos e equacionados apenas por alguns iluminados, mas que se sujeitem ao diálogo das razões e dos sentimentos, porque tudo isto conta na sua apreciação e procura de resposta.

Há muitos cidadãos normais, famílias normais, jovens normais. Muita gente viva e não contaminada por este ambiente pouco favorável à esperança. Mas terão todos ainda força para resistir e contrariar um processo doentio, de que não se vê remédio nem controle? Preocupa-me ver gente válida, mas desiludida, a cruzar os braços; povo simples a fechar a boca, quando se lhe dá por favor o que lhe pertence por justiça; jovens à deriva e alienados por interesses e emoções de momento, que lhes cortam as asas de um futuro desejável; o anedótico dos cafés e das tertúlias vazias, a sobrepor-se ao tempo da reflexão e da partilha, necessário e urgente, para salvar o essencial e romper caminhos novos indispensáveis. Se o difícil cede o lugar ao impossível e os braços caem, só ficam favorecidos aqueles a quem interessa um povo alienado ao qual basta pão e futebol…

Mas não é o compromisso de todos e a esperança activa que dão alma a um povo?

D. António Marcelino, Bispo Emérito de Aveiro

9 comentários:

Anónimo disse...

Totalmente de acordo. Contigo e com o texto.

Maria dos Anjos

O Puma disse...

É sempre bom ouvir um grito de lucidez que faz pensar.

Seria uma boa intervenção se fosse
dita na cimeira da farsa

pujante e pantomineira

abraço

Anónimo disse...

Este texto é um apelo à indignação. Desassombrado e descomprometido.

Publicá-lo, assim, é, como se diz, um desafio e um teste. Um convite à unidade e ao consenso. E um acto de coragem, face aos poderes (menos um «e» e ficava podres) instituídos.

Eduardo P.

São disse...

Reflexão profunda e que demonstra a existência de pessoas lúcidas e responsáveis em todos os sectores.
Parabéns ao Bispo , porque escreveu uma boa análise da actual situação portuguesa; e parabéns a ti, porque não és preconceituoso e reconheces a verdade onde quer que se encontre!
Bom fim de semana!

Graça Pires disse...

D. António Marcelino é um homem lúcido. Concordo com ele. Realmente "o espaço nacional parece tornar-se mais lugar de interesses, que de ideais e compromissos."
Um beijo.

Monte Cristo disse...

Meus amigos Maria do Anjos, Puma, Eduardo, São e Graça).

Verifico, pela amostra, que os consensos são possíveis e desejáveis.

Acredito que, em Portugal, só os estúpidos e os desonestos não pensam como o Bispo.

Tudo depende, agora, de sabermos qual a percentagem de estúpidos e desonestos que existem em Portugal.

Algum de vocês me pode esclarecer?

Anónimo disse...

Sensatez na escrita, não importa a origem. A mensagem essa é preocupante porque muito real ...

Anónimo disse...

Há bispos e bispos. Há padres e padres. Há teoria e prática.

Quero dizer: Se a Igreja seguisse o Cristo que ela diz ter existido, não seria a Igreja que conhecemos, mas uma entidade que lutasse contra as injustiças, a riqueza escandalosa (em que ela, aliás, vive), os governos que a isso dão cobertura, as guerras de pilhagem dos povos mais fraco e atrasados, em suma, que lutasse contra a opressão que os senhores do dinheiro e os senhores da política - seus serventes - exercem sobre milhões de seres humanos.

Porque assim não é, pergunta-se: Cristo existiu? Se existiu, pregou o que dizem ter pregado? Se pregou, porque o não seguem os seus actuais «seguidores»? Porque não se opõem, dos seus tronos do Vaticano, à elite financeira e política, que nunca entrará no reino dos céus, porque um camelo também não entrará no buraco de uma agulha?

Responda quem souber, a começar pelo Bispo D. Marcelino.

Anna disse...

Caro português inconformado...a sua visão pessimista do meu país perturbou-me.É bom pensar e reflectir sobre o que está mal, mas parece ser lema dos portugueses queixar e reclamar em vez de louvar e pensar no que podemos mudar, por isso, sem qualquer tipo de insinuação, queria perguntar-lhe o que faz o senhor para que este país seja um sitio melhor?