Os esbirros
Conheci-os noutro tempo. Num tempo que eu julguei definitivamente acabado numa certa manhã de um dia de primavera. Marcava o calendário o dia 25 do mês de Abril de 1974.
No meu bairro, em Campolide, eram temidos e desprezados. Chamavam-lhes os bufos, os informadores; de alguns se dizia, ainda com mais temor e ódio, que eram mesmo agentes da PIDE. Também havia os outros, os salazaristas de «mãos limpas», os admiradores confessos do regime, que iam à missa todos os domingos, que nunca se misturavam com a ralé, que tinham automóvel e botões de punho de ouro. Geralmente gordos, vestiam paletó, usavam o cabelo todo penteado para trás, lustroso de brilhantina. As suas madames nunca eram vistas sem ser muito bem vestidas e pintadas, salpicadas de jóias. Cobertas de espaventosos chapéus. E tinham criadas, fardadas a rigor.
Ainda me lembro de ver, nos verdes anos da minha meninice, alguns deles fardados de legionários, em certos dias caros ao regime, ostentando a pose dos que estão por cima.
Conheci-os, depois, no emprego e na tropa, sempre seres marginais e repugnantes. Sempre perigosos e indesejáveis no seio da maralha.
Depois da tal manhã, sumiram-se, uns; converteram-se à democracia, os outros.
Mais tarde, quando a vingança ganhou força e atrevimento, percebi que tinham voltado. Dei por eles no meu local de trabalho, nos sindicatos, na minha rua, no café, nas autarquias. Identifiquei-os pelo cheiro, pelo olhar matreiro e sombrio, pelo som das palavras ocas ou dúbias. Pelo espumar verde das ideias que o tempo gastou. Pela mesma atitude de tumor, pela mesma silhueta do esbirro oficial. São, agora, democratas. E de esquerda. E abrigam-se debaixo de um chapéu cor-de-rosa, que tem um rótulo onde se pode ler: Partido Socialista.
Insinuaram-se, primeiro, num palrar de lérias avulsas. Depois, encorajados pela envolvência confortável dos estofos do poder - onde se deve destacar o advento do estatuto do boy e da girl «socialista» - aí estão eles (e elas) sem medo, sem pudor, sem limites.
Seja na Direcção Regional de Educação do Norte, perseguindo os seus pares desalinhados, seja na ADSE, obrigando uma professora a trabalhar até morrer, seja nas empresas, seja nas autarquias, seja nos locais de residência, os bufos e os esbirros aí estão de novo, prontos a fazer cumprir as orientações do «chefe máximo». Do «chefe absoluto».
Os esbirros gozam o seu momento de glória. Até ao dia em que, como aconteceu há 33 anos, sairão de cena como ratazanas que são.
Embora tenham, como sabemos, o aspecto inconfundível dos porcos.
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